Progresso em Sant’Anna de São João Acima: A Fábrica Santanense
em 1896
No final do
século XIX, enquanto o Brasil vivia os primeiros anos da República, algumas
regiões de Minas Gerais começavam a experimentar os sinais de um novo tempo: o
da industrialização. Um exemplo eloquente desse processo pode ser encontrado em
um registro publicado em Belo Horizonte, no qual se destacava o desempenho da Companhia
de Tecidos Santanense, situada no então distrito de Sant’Anna de São
João Acima — atual cidade de Itaúna.
Fundada em 1891,
a fábrica já dava sinais expressivos de vitalidade econômica em 1896. Somente
naquele ano, a produção alcançou a marca de mais de 300 mil metros de
tecidos de algodão, brancos e coloridos, atendendo a uma demanda crescente.
O lucro líquido registrado refletia uma gestão eficiente e um
mercado consumidor em expansão. A baixa quantidade de tecidos em estoque no fim
do ano mostrava que a produção encontrava escoamento rápido, sem acumular-se
nos armazéns: havia, portanto, circulação, consumo e retorno.
Mais do que
números, o texto revela aspectos fundamentais sobre o modo como o
empreendimento se organizava. A diretoria da fábrica contava com figuras
proeminentes da elite local. Essa configuração mostra como o
capital econômico e o capital político frequentemente se entrelaçavam na
condução dos negócios regionais, impulsionando o desenvolvimento com base nas
redes de influência locais. Não à toa, o Conselho Distrital, espécie de
câmara local, aprovou um voto de louvor ao gerente, reconhecendo o
avanço da fábrica como expressão do espírito progressista da comunidade.
E é justamente
neste ponto que o texto assume um tom simbólico. Ao dizer que o progresso da
fábrica “vem atestar o espírito yankee dos santanenses”, não apenas pela
força e dedicação dos empreendedores locais, mas também invoca um ideal de
modernidade associado a eficiência, trabalho, inovação. A frase funciona como
afirmação de identidade e orgulho regional — Sant’Anna se via (ou queria ser
vista) como uma vila moderna, ativa, capaz de competir em igualdade com os
centros mais dinâmicos do país.
Entretanto, o
entusiasmo não anula a crítica. Mesmo com solo fértil e favorável, a região não
tinha um desenvolvimento suficiente no cultivo do algodão, base essencial para o funcionamento da fábrica. A dependência da importação dessa matéria-prima "em rama" é
qualificada como “quase vergonhosa”, denunciando uma contradição estrutural:
uma fábrica moderna funcionando em uma região que não lhe garantia insumos
básicos. Era o retrato de um modelo de industrialização que, apesar do sucesso
técnico, ainda carecia de integração com a produção agrícola local. O alerta é
claro: o verdadeiro progresso exigia não apenas máquinas e lucros, mas também planejamento
e articulação entre diferentes setores da economia.
Este documento,
mais do que um simples relatório empresarial, é uma janela para compreender os
desafios e ambições do interior mineiro no final do século XIX. Revela como
distritos como Sant’Anna de São João Acima buscavam se destacar em meio à
economia nacional, apostando na indústria como caminho para o desenvolvimento.
Ao mesmo tempo, expõe as limitações de um país que tentava se modernizar, mas
ainda enfrentava entraves históricos, como a concentração fundiária, a fraca
diversificação agrícola e a ausência de políticas públicas voltadas à
integração produtiva.
Para a história
de Itaúna, esse texto é uma fonte preciosa. Ele mostra que a origem
industrial da cidade não foi mero acaso, mas fruto de estratégias,
investimentos e sonhos de progresso. A Companhia de Tecidos Santanense
foi um dos pilares dessa transformação — não apenas por suas máquinas, mas pelo
que ela representava: uma aposta no futuro, feita com os pés ainda fincados em
um passado que resistia a mudar por completo.
Lê-se na
Capital de Belo Horizonte: “A Companhia de Tecidos Santanense, fundada no
próximo distrito de Sant’Anna de São João Acima (1891), teve um lucro líquido
de 43:435$057 (Quarenta e três contos, quatrocentos e trinta e cinco mil e
cinquenta e sete réis) ou 8% sobre o capital realizado. Durante o ano de 1896 a
fábrica produziu 306.089,20 metros de algodões brancos e de cores, tendo estes
produtos grande procura.
Em 31 de
dezembro o depósito de fazendas era apenas 24:000$000 (vinte quatro contos de
réis). A fábrica tem trabalhado com quarenta teares, e montou outras machinas
que devem começar a funcionar em junho próximo. É gerente da empresa o senhor
João de Cerqueira Lima, sendo presidente o deputado estadual, dr. José
Gonçalves de Souza e tesoureiro o senhor Manoel José de Souza Moreira.
O parecer do Conselho Distrital propôs um voto de louvor ao gerente da companhia, cujo estado de progresso é indiscutível e vem atestar o espírito yankee dos santanenses. Lamentamos tão somente, que ali, onde a uberdade do solo compensa todo o trabalho, não se desenvolva em larga escala o plantio do algodoeiro, pois é quase vergonhoso, se é que não o é em absoluto, ver-se o nosso Estado importar algodão em rama!
A análise desse documento permite refletir sobre diversos aspectos econômicos, sociais e culturais da época:
O ano de
referência é 1896, período da Primeira República (ou República Velha), em que
Minas Gerais buscava redefinir sua posição econômica após o declínio do ciclo
do ouro e diante da ascensão do café em outras regiões. O texto evidencia a
tentativa de inserção de Minas no processo de industrialização nacional,
através da produção têxtil, um dos primeiros setores industriais brasileiros a
se consolidar.
A Companhia de
Tecidos Santanense é apresentada como um exemplo de sucesso, com: Lucro líquido
de 43:435$057 réis, equivalente a 8% sobre o capital realizado, valor
expressivo e indicativo de boa gestão e demanda favorável. Produção de
306.089,20 metros de tecidos brancos e coloridos — o que mostra não apenas
capacidade produtiva, mas também diversificação de produtos. Baixo estoque no
fim do ano (24 contos de réis), sinalizando uma venda eficiente da produção. O
dado de que os produtos tinham “grande procura” reforça a ideia de que havia
mercado consumidor, tanto local quanto regional, para os têxteis produzidos no
interior mineiro.
A fábrica operava
com quarenta teares e se preparava para instalar novas máquinas em junho, o que
demonstra um processo contínuo de modernização tecnológica e ampliação da
capacidade produtiva. Esse dado é relevante para compreender como, mesmo em
regiões interiores de Minas, havia esforço em acompanhar os avanços
industriais, importando provavelmente equipamentos estrangeiros (possivelmente
ingleses ou americanos) ou de centros industriais mais desenvolvidos como São
Paulo e Rio de Janeiro.
O parecer do
Conselho Distrital, que propõe um voto de louvor ao gerente, demonstra o
envolvimento cívico da comunidade com a fábrica. A expressão “espírito yankee
dos santanenses” é especialmente significativa: elogia-se a mentalidade
empreendedora, associando-a aos ideais de progresso e modernização dos Estados
Unidos (referência ao “American way of business”). Essa comparação
reforça um tipo de orgulho regional e um desejo de diferenciação positiva
dentro do Estado de Minas, sugerindo que Sant’Anna seria um exemplo a ser
seguido por sua capacidade de inovar e gerar riqueza.
Apesar do bom
desempenho da fábrica, a falta de plantio de algodão na própria região.
Considerando que essa era a matéria-prima fundamental para a indústria têxtil,
o texto denuncia a dependência de importação de algodão em rama, o que era
visto como “quase vergonhoso”.
Isso revela um
paradoxo no modelo de desenvolvimento local: havia indústria, mas não havia uma
base agrícola de suporte devidamente articulada, resultando em custos mais
altos e dependência externa. O autor sugere que, dada a “uberdade do solo”
(fertilidade), o cultivo do algodão deveria estar mais disseminado — uma
crítica ao atraso agrícola diante do avanço industrial.
Este texto é uma
fonte primária importante por revelar: a inserção do interior mineiro no
processo de industrialização nacional; a formação de elites industriais locais
com base na política e nos negócios familiares; o esforço de modernização
industrial e tecnológica; a valorização simbólica da iniciativa privada e do
trabalho como formas de progresso; e ao mesmo tempo, a denúncia de
desequilíbrios estruturais, como a falta de articulação entre agricultura e
indústria.
Para o estudo da
história de Itaúna e de Minas Gerais, esse documento reforça a importância da
Companhia Santanense como elemento fundacional da cidade de Itaúna, que viria a
emancipar-se pouco depois, em 1901. Também serve como base para análises sobre
o empreendedorismo regional, a transição entre economia agrária e industrial, e
as tensões entre progresso técnico e estrutura agrária tradicional.
Referencias:
Organização e
pesquisa: Charles Aquino
Fonte impressa:
Jornal “Minas Geraes”
- Ouro Preto, MG, 18 de maio de 1897, ed. 130, p.5.
Jornal “Minas
Geraes”, Ouro Preto, 17 de novembro de 1891, ed. 248, p.3.
Ilustração criada
com IA, inspirada no conteúdo do texto.