sexta-feira, agosto 08, 2025

SANTANENSE 1896

Progresso em Sant’Anna de São João Acima: A Fábrica Santanense em 1896

No final do século XIX, enquanto o Brasil vivia os primeiros anos da República, algumas regiões de Minas Gerais começavam a experimentar os sinais de um novo tempo: o da industrialização. Um exemplo eloquente desse processo pode ser encontrado em um registro publicado em Belo Horizonte, no qual se destacava o desempenho da Companhia de Tecidos Santanense, situada no então distrito de Sant’Anna de São João Acima — atual cidade de Itaúna.

Fundada em 1891, a fábrica já dava sinais expressivos de vitalidade econômica em 1896. Somente naquele ano, a produção alcançou a marca de mais de 300 mil metros de tecidos de algodão, brancos e coloridos, atendendo a uma demanda crescente. O lucro líquido registrado refletia uma gestão eficiente e um mercado consumidor em expansão. A baixa quantidade de tecidos em estoque no fim do ano mostrava que a produção encontrava escoamento rápido, sem acumular-se nos armazéns: havia, portanto, circulação, consumo e retorno.

Mais do que números, o texto revela aspectos fundamentais sobre o modo como o empreendimento se organizava. A diretoria da fábrica contava com figuras proeminentes da elite local. Essa configuração mostra como o capital econômico e o capital político frequentemente se entrelaçavam na condução dos negócios regionais, impulsionando o desenvolvimento com base nas redes de influência locais. Não à toa, o Conselho Distrital, espécie de câmara local, aprovou um voto de louvor ao gerente, reconhecendo o avanço da fábrica como expressão do espírito progressista da comunidade.

E é justamente neste ponto que o texto assume um tom simbólico. Ao dizer que o progresso da fábrica “vem atestar o espírito yankee dos santanenses”, não apenas pela força e dedicação dos empreendedores locais, mas também invoca um ideal de modernidade associado a eficiência, trabalho, inovação. A frase funciona como afirmação de identidade e orgulho regional — Sant’Anna se via (ou queria ser vista) como uma vila moderna, ativa, capaz de competir em igualdade com os centros mais dinâmicos do país.

Entretanto, o entusiasmo não anula a crítica. Mesmo com solo fértil e favorável, a região não tinha um desenvolvimento suficiente no cultivo do algodão, base essencial para o funcionamento da fábrica. A dependência da importação dessa matéria-prima "em rama" é qualificada como “quase vergonhosa”, denunciando uma contradição estrutural: uma fábrica moderna funcionando em uma região que não lhe garantia insumos básicos. Era o retrato de um modelo de industrialização que, apesar do sucesso técnico, ainda carecia de integração com a produção agrícola local. O alerta é claro: o verdadeiro progresso exigia não apenas máquinas e lucros, mas também planejamento e articulação entre diferentes setores da economia.

Este documento, mais do que um simples relatório empresarial, é uma janela para compreender os desafios e ambições do interior mineiro no final do século XIX. Revela como distritos como Sant’Anna de São João Acima buscavam se destacar em meio à economia nacional, apostando na indústria como caminho para o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, expõe as limitações de um país que tentava se modernizar, mas ainda enfrentava entraves históricos, como a concentração fundiária, a fraca diversificação agrícola e a ausência de políticas públicas voltadas à integração produtiva.

Para a história de Itaúna, esse texto é uma fonte preciosa. Ele mostra que a origem industrial da cidade não foi mero acaso, mas fruto de estratégias, investimentos e sonhos de progresso. A Companhia de Tecidos Santanense foi um dos pilares dessa transformação — não apenas por suas máquinas, mas pelo que ela representava: uma aposta no futuro, feita com os pés ainda fincados em um passado que resistia a mudar por completo.

 INDÚSTRIA MINEIRA

Lê-se na Capital de Belo Horizonte: “A Companhia de Tecidos Santanense, fundada no próximo distrito de Sant’Anna de São João Acima (1891), teve um lucro líquido de 43:435$057 (Quarenta e três contos, quatrocentos e trinta e cinco mil e cinquenta e sete réis) ou 8% sobre o capital realizado. Durante o ano de 1896 a fábrica produziu 306.089,20 metros de algodões brancos e de cores, tendo estes produtos grande procura.

Em 31 de dezembro o depósito de fazendas era apenas 24:000$000 (vinte quatro contos de réis). A fábrica tem trabalhado com quarenta teares, e montou outras machinas que devem começar a funcionar em junho próximo. É gerente da empresa o senhor João de Cerqueira Lima, sendo presidente o deputado estadual, dr. José Gonçalves de Souza e tesoureiro o senhor Manoel José de Souza Moreira.

O parecer do Conselho Distrital propôs um voto de louvor ao gerente da companhia, cujo estado de progresso é indiscutível e vem atestar o espírito yankee dos santanenses. Lamentamos tão somente, que ali, onde a uberdade do solo compensa todo o trabalho, não se desenvolva em larga escala o plantio do algodoeiro, pois é quase vergonhoso, se é que não o é em absoluto, ver-se o nosso Estado importar algodão em rama!


A análise desse documento permite refletir sobre diversos aspectos econômicos, sociais e culturais da época:

O ano de referência é 1896, período da Primeira República (ou República Velha), em que Minas Gerais buscava redefinir sua posição econômica após o declínio do ciclo do ouro e diante da ascensão do café em outras regiões. O texto evidencia a tentativa de inserção de Minas no processo de industrialização nacional, através da produção têxtil, um dos primeiros setores industriais brasileiros a se consolidar.

A Companhia de Tecidos Santanense é apresentada como um exemplo de sucesso, com: Lucro líquido de 43:435$057 réis, equivalente a 8% sobre o capital realizado, valor expressivo e indicativo de boa gestão e demanda favorável. Produção de 306.089,20 metros de tecidos brancos e coloridos — o que mostra não apenas capacidade produtiva, mas também diversificação de produtos. Baixo estoque no fim do ano (24 contos de réis), sinalizando uma venda eficiente da produção. O dado de que os produtos tinham “grande procura” reforça a ideia de que havia mercado consumidor, tanto local quanto regional, para os têxteis produzidos no interior mineiro.

A fábrica operava com quarenta teares e se preparava para instalar novas máquinas em junho, o que demonstra um processo contínuo de modernização tecnológica e ampliação da capacidade produtiva. Esse dado é relevante para compreender como, mesmo em regiões interiores de Minas, havia esforço em acompanhar os avanços industriais, importando provavelmente equipamentos estrangeiros (possivelmente ingleses ou americanos) ou de centros industriais mais desenvolvidos como São Paulo e Rio de Janeiro.

O parecer do Conselho Distrital, que propõe um voto de louvor ao gerente, demonstra o envolvimento cívico da comunidade com a fábrica. A expressão “espírito yankee dos santanenses” é especialmente significativa: elogia-se a mentalidade empreendedora, associando-a aos ideais de progresso e modernização dos Estados Unidos (referência ao “American way of business”). Essa comparação reforça um tipo de orgulho regional e um desejo de diferenciação positiva dentro do Estado de Minas, sugerindo que Sant’Anna seria um exemplo a ser seguido por sua capacidade de inovar e gerar riqueza.

Apesar do bom desempenho da fábrica, a falta de plantio de algodão na própria região. Considerando que essa era a matéria-prima fundamental para a indústria têxtil, o texto denuncia a dependência de importação de algodão em rama, o que era visto como “quase vergonhoso”.

Isso revela um paradoxo no modelo de desenvolvimento local: havia indústria, mas não havia uma base agrícola de suporte devidamente articulada, resultando em custos mais altos e dependência externa. O autor sugere que, dada a “uberdade do solo” (fertilidade), o cultivo do algodão deveria estar mais disseminado — uma crítica ao atraso agrícola diante do avanço industrial.

Este texto é uma fonte primária importante por revelar: a inserção do interior mineiro no processo de industrialização nacional; a formação de elites industriais locais com base na política e nos negócios familiares; o esforço de modernização industrial e tecnológica; a valorização simbólica da iniciativa privada e do trabalho como formas de progresso; e ao mesmo tempo, a denúncia de desequilíbrios estruturais, como a falta de articulação entre agricultura e indústria.

Para o estudo da história de Itaúna e de Minas Gerais, esse documento reforça a importância da Companhia Santanense como elemento fundacional da cidade de Itaúna, que viria a emancipar-se pouco depois, em 1901. Também serve como base para análises sobre o empreendedorismo regional, a transição entre economia agrária e industrial, e as tensões entre progresso técnico e estrutura agrária tradicional.

 

Referencias:

Organização e pesquisa: Charles Aquino

Fonte impressa:

Jornal “Minas Geraes” - Ouro Preto, MG, 18 de maio de 1897, ed. 130, p.5.

Jornal “Minas Geraes”, Ouro Preto, 17 de novembro de 1891, ed. 248, p.3.

Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto.