A narrativa a seguir é uma história fictícia, mas inspirada em documentos históricos autênticos: os anúncios de jornais do século XIX que buscavam capturar pessoas escravizadas que haviam fugido.
Esses registros, como o publicado em 1884 sobre o jovem
Francisco, detalhavam com minúcia impressionante as características físicas e
comportamentais das pessoas, revelando não apenas o esforço dos senhores em
recapturá-las, mas também as marcas físicas e simbólicas de uma sociedade
marcada pela violência e pela desumanização.
Ao construir a história de Francisco, buscamos dar vida a essas linhas secas e burocráticas dos anúncios, imaginando as emoções, os medos, as estratégias de fuga e os encontros humanos que não aparecem nos registros oficiais.
Não se trata de julgar com os olhos do
presente, mas de fazer um exercício de empatia histórica: olhar para o passado
com profundidade, entendendo o contexto e reconhecendo as resistências
silenciosas e corajosas de tantos homens e mulheres.
Esta é, portanto, uma ficção
baseada em vestígios reais. Um convite à memória, à escuta do que os arquivos
não disseram por completo — e à valorização da luta pela liberdade que moldou a
história do Brasil.
Em outubro de 1884, a Fazenda Medeiros, localizada em Sant’Anna de São João Acima, vivia dias de inquietação. Francisco, um jovem escravizado de 21 anos, tinha desaparecido na calada da noite, deixando para trás apenas um vazio e muitas perguntas. Pardo escuro, de estatura regular, cabelos anelados e uma expressão de determinação que desafiava o destino, ele já não podia mais suportar as correntes invisíveis que o prendiam àquela vida.
Desde cedo, Francisco era
conhecido por sua inteligência e habilidade em aprender rapidamente. Apesar do
trabalho árduo, ele tinha um espírito forte e alimentava um sonho proibido para
muitos: a liberdade. Ele sabia que essa busca era perigosa, mas o desejo de ser
dono de si mesmo superava o medo.
Na noite de sua fuga, Francisco
aproveitou a escuridão para escapar pelos campos. Guiado pelas estrelas e pelo
conhecimento que adquirira ao longo dos anos, ele traçou um caminho rumo às
montanhas, onde esperava encontrar abrigo e talvez a ajuda de quilombos. Mas o
perigo estava em todos os lugares. Os anúncios espalhados em jornais e a
recompensa oferecida por José Ignácio de Mello eram um lembrete constante de
que ele era caçado como um animal.
Francisco, porém, era astuto.
Para confundir seus perseguidores, adotou o nome de Antônio Modesto e procurou
se misturar entre os trabalhadores livres das pequenas vilas pelas quais
passava. Sua capacidade de mudar de identidade, bem como sua descrição física
marcante — como a verruga em um dos lados do rosto —, tornavam cada dia uma
batalha para permanecer oculto.
Nessa jornada, Francisco
encontrou aliados improváveis: pessoas comuns que, tocadas pela sua história e
coragem, decidiram ajudá-lo. Uma dessas pessoas era Maria Clara, uma jovem
viúva que, apesar dos riscos, ofereceu-lhe abrigo e informações sobre rotas
seguras. Com o passar do tempo, Maria Clara e Francisco desenvolveram uma
conexão profunda, unida pela esperança de um futuro melhor.
No entanto, a rede de caçadores
de recompensas estava sempre um passo atrás. Em um momento de tensão, Francisco
foi quase capturado ao atravessar uma pequena cidade. Foi salvo apenas graças a
um grupo de quilombolas que interveio no momento certo, levando-o para um
quilombo escondido nas profundezas da mata.
No quilombo denominado Catumba,
Francisco encontrou mais do que proteção; encontrou uma comunidade de
resistência, formada por pessoas que, como ele, tinham enfrentado o impensável
em busca de liberdade. Lá, ele se tornou um líder, organizando ações para
resgatar outros escravizados e lutar contra o sistema que tentava subjugá-los.
Apesar dos desafios, Francisco
nunca esqueceu de onde veio nem o preço de sua liberdade. Sua história
tornou-se uma lenda entre os quilombolas e as comunidades negras da região. Pouco anos depois, quando a abolição finalmente chegou, muitos se lembraram de Francisco
como um símbolo de coragem e resiliência, um homem que enfrentou o impossível
para conquistar aquilo que todos têm direito: a liberdade.
Elaboração: Charles Aquino
Ilustração criada com IA,
inspirada no conteúdo do texto.
Ouro Preto, 27 de novembro, 1884 Santana de São João Acima (Itaúna/MG).