quarta-feira, outubro 23, 2024

HÉLICES DO SILÊNCIO

Era uma vez um garoto de seis anos chamado Lucas. Ele vivia em uma casa tranquila com seus pais e sua irmã mais velha, e, como qualquer criança, tinha seus interesses. No entanto, um deles se destacava mais que os outros: os ventiladores de teto. Lucas era absolutamente fascinado por eles. Quando entrava em um cômodo, sua atenção imediatamente era capturada pelo ventilador. Seus olhos brilhavam, e ele podia passar longos minutos observando as hélices girarem, como se o movimento suave e constante fosse a coisa mais hipnotizante do mundo.

Sempre que sua mãe ia ao supermercado ou visitava a casa de algum parente, Lucas perguntava, antes de qualquer coisa, se havia ventiladores de teto no local. Se a resposta fosse sim, ele já sabia o que faria: ficaria debaixo do ventilador, observando-o rodar, enquanto todos ao redor continuavam suas conversas e atividades.

O curioso era que, mesmo sendo tão novo, Lucas entendia como os ventiladores funcionavam. Sabia de cor quantas lâminas cada modelo tinha e até os diferentes sons que cada um fazia. Quando as pessoas perguntavam sobre sua paixão por ventiladores, ele simplesmente sorria e continuava a observar, talvez sem conseguir explicar em palavras o motivo de seu encantamento.

Seus pais, a princípio, achavam que a obsessão de Lucas era uma fase. "Ele vai se interessar por outra coisa em breve", diziam entre si. Mas com o tempo, perceberam que era mais do que um simples fascínio. Era uma forma de Lucas encontrar conforto e segurança em um mundo que, às vezes, parecia muito grande e confuso para ele.

As pessoas ao redor, no entanto, nem sempre entendiam. "Por que ele não brinca com outras crianças?" perguntavam os vizinhos. "Ele nunca responde quando falamos com ele." No parque, enquanto as outras crianças corriam e brincavam, Lucas preferia sentar-se sob o quiosque, onde havia um ventilador. Não era que ele não gostasse de companhia, mas o som constante e repetitivo das lâminas cortando o ar o ajudava a organizar os pensamentos e a acalmar o coração.

Sua mãe, sempre observadora, notou que, quando Lucas estava agitado ou confuso, ligar um ventilador era como acender uma luz em um quarto escuro. O movimento circular e previsível parecia alinhar as emoções de Lucas, trazendo-o de volta ao equilíbrio. Ela começou a entender que o ventilador de teto era mais do que um simples objeto: era o refúgio de seu filho, sua âncora em meio ao caos.

Quando Lucas completou seis anos, seus pais decidiram matriculá-lo em uma escola especial, onde ele frequentaria as aulas três vezes por semana. Lá, as crianças recebiam atenção individualizada e atividades que respeitavam seus ritmos e formas de aprendizado. Lucas foi para sua primeira aula com curiosidade e, logo que entrou na sala, seus olhos se iluminaram ao ver dois ventiladores: um instalado no teto, girando silenciosamente, e outro fixado na parede, mais alto, lançando uma brisa suave.

Naquela sala, Lucas encontrou seu novo refúgio. Ele passava os primeiros minutos de cada aula observando os ventiladores, com um sorriso suave no rosto. As outras crianças se ocupavam com atividades diversas, mas Lucas permanecia atento ao movimento constante e rítmico das hélices. Era como se aquele simples ato de contemplação o ajudasse a se organizar em meio a tantas novidades.

A professora Esperança, uma mulher atenta e carinhosa, logo percebeu esse fascínio. Ao invés de apressar Lucas ou forçá-lo a se envolver imediatamente nas atividades, ela teve a sensibilidade de entender o que aquilo significava para ele. Observando como os ventiladores o acalmavam, ela decidiu que aquela seria sua ponte de comunicação com Lucas. Ela começou a se sentar ao lado dele, sem pressão, e comentava suavemente sobre o ventilador: “Você sabia que esse ventilador tem três lâminas? Gosto do som suave que ele faz, e você?”. Lucas, inicialmente em silêncio, olhava para ela de relance, como se estivesse processando o que ela dizia. A cada semana, a professora continuava a conversar com ele nesse ritmo tranquilo, respeitando o tempo que ele precisava para processar as informações e se sentir seguro para interagir.

Rosa, uma monitora dinâmica e sempre presente, trabalhava ao lado da professora, ajudando em todos os momentos. Ela era uma pessoa cheia de energia e com um sorriso acolhedor, que conseguia acalmar as crianças apenas com sua presença. Rosa e a professora Esperança formavam uma equipe dedicada, e Rosa, com sua paciência, também percebia o fascínio de Lucas pelos ventiladores. Juntas, elas desenvolveram uma estratégia para se comunicar e envolver Lucas, sem apressá-lo ou pressioná-lo.

Rosa frequentemente preparava o ambiente para Lucas, organizando atividades com a professora e garantindo que ele tivesse o tempo e espaço de que precisava. Ela notava cada pequena conquista, comentando com a professora: “Hoje, ele sorriu quando falei sobre as lâminas do ventilador. Acho que estamos ganhando sua confiança”. A conexão de Lucas com os ventiladores tornou-se o ponto de partida para suas interações com o mundo ao seu redor, e Clara e a professora Esperança sabiam que era preciso respeitar esse ritmo.

Com o passar das semanas, Lucas começou a responder, às vezes com um aceno de cabeça, outras vezes com palavras curtas. Ele ainda preferia contemplar os ventiladores, mas agora compartilhava esse momento com sua professora Esperança e Rosa, que, pacientemente, encontravam formas de envolver Lucas nas atividades, sempre respeitando seu tempo e seu espaço. Em vez de afastá-lo de sua paixão, elas usaram essa conexão para abrir portas para novas interações e aprendizado.

O que a professora Esperança e a monitora Rosa entenderam — e o que é uma lição para todos nós — é que cada criança tem uma forma única de se comunicar e interagir com o mundo. No caso de Lucas, os ventiladores eram sua forma de encontrar calma e sentido em meio ao que, para ele, podia ser um ambiente cheio de estímulos. Elas não o julgaram por isso, nem tentaram mudar seu comportamento, mas aceitaram sua maneira de ser e usaram essa afinidade para criar uma ponte de comunicação.

A história de Lucas, no fundo, não era sobre ventiladores. Era sobre a importância de enxergar o que está além do óbvio, de perceber que cada criança tem seu próprio jeito de se conectar com o mundo. Às vezes, isso acontece de maneiras que não entendemos de imediato, mas basta um pouco de sensibilidade e atenção para descobrir que, por trás daquele olhar fixo em algo aparentemente simples, há um universo inteiro de sentimentos e experiências esperando para ser descoberto.

Essa história fictícia nos lembra da importância de ter paciência, sensibilidade e respeito quando lidamos com crianças que, muitas vezes, enxergam o mundo de um jeito diferente. Nem sempre as palavras são o primeiro caminho de comunicação; às vezes, são os gestos, os interesses ou os pequenos rituais que nos mostram como podemos nos conectar com elas. Entender e reconhecer esses sinais, especialmente em crianças com autismo, é um ato de cuidado e respeito à sua singularidade.

E assim, Lucas crescia, com seus ventiladores de teto sempre por perto, lembrando todos ao seu redor que cada criança tem sua própria forma de ver o mundo — e que, com paciência e amor, é possível entender e celebrar essas formas únicas de ser.

A história imaginária de Lucas nos lembra da importância de reconhecer e valorizar as singularidades de cada criança, especialmente daquelas que possuem maneiras únicas de se conectar com o mundo, mesmo que, por vezes, o façam em silêncio. Assim como Lucas encontrou conforto e segurança em algo simples como o movimento de ventiladores, muitas outras crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e outras deficiências precisam de um ambiente acolhedor e de pessoas sensíveis que as ajudem a florescer.

A APAE de Itaúna desempenha um papel fundamental nessa jornada, oferecendo um atendimento completo para crianças e adultos com deficiência, incluindo serviços como terapia ocupacional, fisioterapia, psicologia, psicopedagogia, oficinas de artes e música, atividades físicas, assistência social e o Atendimento Educacional Especializado (AEE). Através de projetos como a Escola de Família, a APAE também orienta os pais sobre como melhorar a comunicação com seus filhos e fortalecer o vínculo familiar, essencial para o sucesso no desenvolvimento dessas crianças.

Assim como na história de Lucas, acompanhado por sua dedicada professora e a atenciosa monitora, a APAE de Itaúna atua diariamente com dedicação e sensibilidade, assegurando que cada pessoa receba o suporte necessário para desenvolver seu potencial ao máximo. A instituição está comprometida a promover a inclusão, oferecendo um ambiente acolhedor e transformando vidas por meio de seu trabalho incansável e humanizado.


Referências:

Elaboração, narrativa imaginária e arte: Charles Aquino 

Imagem: Fita quebra-cabeças de conscientização do autismo. Disponível em: Wikipédia

APAE – Itaúna/MG: Disponível em: https://apaeitaunamg.org.br/site/educacao/