DA FAZENDA DAS PEIXOTAS E DA CAPELA DO ROSÁRIO
O
carneiro de Ouro
João Dornas Filho
chama a atenção para uma lenda que envolve Felipa Peixota (ou Peixoto), antiga proprietária
da fazenda das Peixotas no arraial de Santana do Rio São João Acima, hoje
Itaúna/MG. Segundo o historiador, a fazendeira teria adquirido uma vasta
sesmaria ao presentear o Príncipe Regente D. João (mais tarde Rei D. João VI)
com um “carneirinho” feito de ouro proveniente de uma das suas lavras das
Lavrinhas. Essa sesmaria, abrangia Santana e se estendia ao longo do rio de São
João Acima até Lavrinhas, do Barreiro até Cajurú e Rio Pará, e mais acima pelo
Rio São João em direção a Santana. Segundo o historiador João Dornas é
evidente, apenas pelo seu tamanho, que esta tradição é altamente implausível,
especialmente quando se consideram as cartas de sesmaria documentadas de Manoel
Teixeira Sobreira e Antônio Gonçalves da Guia, bem como as de Manoel Teixeira
Mossa - todas elas enquadradas no suposto território de Felipa Peixota,
conforme tradição.
A
Capela do Rosário
Os antigos
habitantes do arraial de Santana foram avisados de que a Capela “ia ser
fundada no chapadão dos Capotes”. Porém, devido a doenças prevalentes,
decidiu-se construí-lo no morro que hoje é o Rosário. Esta escolha foi
influenciada por um certo Torquato Alves, agricultor residente nas
proximidades. Reza a lenda que uma próspera fazendeira chamada Felippa Peixoto (Santiago
– não sei onde ele tirou esse sobrenome), moradora da fazenda Peixotas, doou
generosamente a propriedade à capela. Este lugar sagrado serpenteava ao longo
do morro da Laje e dos riachos aninhados nas cristas onduladas que circundavam
a humilde igreja. A doação abrangeu inclusive as terras agrícolas pertencentes
ao Coronel Quintiliano Lopes Cançado que 1855, registou a Capela “já como sua”,
fazendo este significativo registro no livro oficial da Paróquia, conforme
estabelecia a Lei de 1850, que atualmente se encontra arquivado no APM -
Arquivo Público Mineiro.
Testamento de Felipa Peixota 1804 ITAÚNA - MG
Sant'Anna
de São João Acima
TTro:
O filho Domingos Francisco Peixoto
“Em nome de
Deos amem=Saybam quantos este testamento virem que sendo no anno de Nascimento
de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oito centos e quatro aos vinte e hum dias
do mes de Julho do ditto anno nesta Fazenda do Corgo do Soldado Termo da Villa
de Pitangui em casas de morada do Alferes Antonio Soares Braga onde eu Filippa
Peixota me achava, que por estar em meu perfeito Juiso quero fazer as minhas
dispoziçoens de ultima vontade na forma seguinte= Declaro que sou natural da
Cidade da Bahia filha legitima de João Peixoto e de Theresa Crioulla já
falescidos= Declaro que fui casada com Manoel Francisco Simião já falescido, de
cujo matrimonio tivemos os filhos seguintes= Martinho= Domingos= Antonio= Maria
já falescida casada com Luis Moreira e deixou huma filha por nome Genovefa=
Theresa também falescida casada com Antonio Peixoto e deixou dous filhos por
nomes Jose e Anna= Izabel solteira também falescida e deixou hum filho por nome
Antonio que todos são meus universais erdeiros asim como he de minha meação do
casal= Manoel e Rosa casada com Domingos da Silva Porto, os quais dous filhos
são adulterinos pellos haver concebido durante o Matrimonio em ausência do dito
falescido meu marido= Declaro, instituo por meus testamenteiros em primeiro
lugar a meu filho Domingos Francisco Peixoto, em segundo a outro meu filho
Antonio Francisco Simião, e em terceiro lugar a meu neto Jose Francisco e lhes
deixo hum anno para dar contas deste testamento= Declaro que por meu
falescimento sera meu corpo amortalhado
no habito de Nossa Senhora do Monte do Carmo por ser irmaa professa na
ordem Terceira da Villa Rica e sepultada na Capella de Nossa Senhora Santa Anna
de São João Asima desta Freguesia de Pitangui e acompanhara meu corpo o
Reverendo Capellam e outros sacerdotes que comodamente se ajuntar a quem se
dara cera de meya [?] e se distribuira no dito meu enterro meya arroba de cera
= Declaro que se dirão por minha Alma vinte missas e outras tantas pella Alma
de meu falescido marido de esmolla costumada= Declaro que pellos bons serviços
que me tem feito minha escrava Custodia crioulla a deixo forra e meu
testamenteiro lhe passara logo depois do meu falescimento sua Carta de
liberdade asim como tambem fara o mesmo a Rita crioulla e Joanna crioulla que
sera incluido na minha terça os seus valores= Declaro que meu testamenteiro
dara a cada huma das duas filhas de Antonio de Medeiros Rosa por nomes de
Rufina e Manuella desasseis oitavas de ouro para ambas como tambem a Dona
Bernarda Maria orfa irmãa do Capitam João Baptista Leite des oitavas de ouro. E
nesta forma hei por acabado este meu testamento de ultima vontade que o mandei
escrever pelo Tabeliam Jose Moreira de Carvalho no mesmo dia mes e anno asima
declarado, e por não saber ler nem escrever mandei que asignase a meu rogo meu
filho Martinho Francisco Simião.” A rogo de minha mãe Filippa Peixota= Martinho
Francisco Simião=
APROVAÇÃO: em
21 de Julho de 1804 na Fazenda do Corgo do Soldado Termo da Cidade de Pitangui
em casa do Alferes Antonio Soares Braga;
ABERTURA: em
26 de Julho de 1808 em Santa Anna de São João Acima pelo Capelão Jose
Bernardino de Sousa;
ACEITAÇÃO: em
22 de Agosto de 1808 pelo filho Domingos Francisco Peixoto;
O historiador e genealogista
Guaracy de Castro Nogueira em suas pesquisas a família Gonçalves de Souza,
destaca que no arraial de Sant'Ana, (hoje Itaúna/MG), Manoel Gonçalves Cançado
alcançou grande prosperidade e riqueza como fazendeiro. Seus sobrinhos,
naturais do Bonfim e filhos de sua irmã Maria Sabina do Nascimento, chegaram a
Sant'Ana. Maria Sabina era casada com o estimado guarda-mor Antônio de Sousa
Moreira. Um por um, esses sobrinhos casaram-se com as filhas de Manoel, suas
primas, e receberam dotes substanciais. Fruto dos casamentos entre os cinco
irmãos Souza Moreira e os seus cinco primos Gonçalves Cançado, surgiu a
estimada família conhecida como Gonçalves de Souza de Itaúna.
Manoel Gonçalves Cançado faleceu em Sant'Ana e o inventário de seus bens foi iniciado em Pará de Minas em 6 de outubro de 1877. O valor total de seus bens atingiu impressionantes 49:576$864 (quarenta e nove contos, quinhentos e setenta e seis mil e oitocentos e sessenta e quatro réis), que incluíam numerosos móveis, escravos, propriedades, dotes e dívidas pendentes. Notavelmente, seus bens abrangiam três fazendas e seis casas. Após cuidadoso exame, apurou-se que a Fazenda dos Campos, avaliada em 2.870$000 (dois contos e oitocentos e setenta mil réis), foi herdada pela viúva Dona Tereza Maria de Jesus.
Quanto à Fazenda das Peixotas, anteriormente propriedade de Felipa Peixota, parece que Antônio José Lício, através de suas comparações, revelou que na verdade pertencia à família Fernandes. Dentro desta propriedade, Manoel Gonçalves Cançado tinha a propriedade partilhada de cinco alqueires, indicando que a adquiriu e posteriormente a repassou ao seu genro, José Gonçalves de Sousa Moreira, durante o processo de inventário, pelo valor de 3: 700$000 (Três contos e setecentos mil réis). Passando para a Fazenda da Cachoeira, originalmente propriedade de Manoel Jacinto Madeira e Antônio Gonçalves Bonfim, foi posteriormente transferida para os quatro genros de Manoel Gonçalves Cançado, recebendo cada um quarto de participação. O valor total deste imóvel ascendeu a 5.500$000 (Cinco contos e quinhentos mil réis).
Os genros em causa eram Manoel
José de Sousa Moreira, Vicente Gonçalves de Sousa, Francisco Gonçalves de Sousa
e José Alves Moreira. Após o falecimento de Dona Teresa Maria de Jesus, em 13
de abril de 1880, três anos após a morte de seu marido, em Pará de Minas, foi
realizado seu inventário amigável.
CRISTAL
DE ROCHA NAS PEIXOTAS
Nas pesquisas
sobre a Fazenda das Peixotas, encontramos uma autorização dada a José Gonçalves
Franco, que obteve permissão para investigar cristais de rocha através da
assinatura de um decreto em 1942, conforme registro abaixo:
Decreto
nº 9.449, de 22 de Maio de 1942
Autoriza o
cidadão brasileiro José Gonçalves Franco a pesquisar cristal de rocha no
município de Itaúna do Estado de Minas Gerais. O Presidente da República,
usando da atribuição que lhe confere o artigo 74, letra a, da Constituição e
nos termos do decreto-lei n. 1.985, de 29 de janeiro de 1940, (Código de
Minas), DECRETA:
Art. 1º. Fica
autorizado o cidadão brasileiro José Gonçalves Franco a pesquisar cristal de
rocha numa área de dez hectares e trinta e um ares (10,31 Ha) situada na
"Fazenda das Peixotas", município de Itaúna do Estado de Minas Gerais
e delimitada por um retângulo que tem um vértice a trezentos e dez metros (310
m), na direção três graus nordeste (3º NE) magnético, da confluência dos
córregos "Peixotas" e "Tamancas" e cujos lados adjacentes a
esse vértice têm os seguintes comprimentos e rumos magnéticos: trezentos e
quarenta e sete metros (347 m) e vinte oito graus e trinta minutos noroeste
(28º 30' NW); trezentos metros (300 m) e sessenta e um graus e trinta minutos nordeste
(61º 30' NE).
Art. 2º. Esta
autorização é outorgada nos termos estabelecidos no Código de Minas.
Art. 3º. O título
da autorização de pesquisa, que será uma via autêntica deste decreto, pagará a
taxa de cento e dez mil réis (110$0) e será transcrito no livro próprio da
Divisão de Fomento da Produção Mineral do Ministério da Agricultura.
Art. 4º.
Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro,
22 de maio de 1942, 121º da Independência e 54º da República.
GETULIO
VARGAS.
Apolonio
Salles.
MEMORIAL JOÃO DORNAS
Organização,
pesquisa e texto: Charles Aquino - Historiador Registro nº 343
Paleografia do
Testamento de Felipa Peixota: Genealogista Dr. Alan Penido
Testamento Felipa Peixota - AJP – Arquivo Judicial de Pitangui - Processo V,109-1810-G.1-Pitangui
– In IPH – Instituto Histórico de Pitangui.
Testamento Felipa
Peixota, Cx91/Dc3164, 1804. ICMC. Instituto Cultural Maria de Castro.
Câmara dos
Deputados - Palácio do Congresso Nacional - Praça dos Três Poderes.
Legislação Informatizada - Decreto nº 9.449, de 22 de Maio de1942 - Publicação
Original. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-9449-22-maio-1942-471084-publicacaooriginal-1-pe.html
NOGUEIRA,
Guaracy de Castro. In Enciclopédia Ilustrada de Pesquisa: Itaúna
em detalhes. Ed. Jornal Folha do Povo, 2003, fascículo 26.
FILHO, João Dornas. Itaúna: Contribuição para a história do município, 1936,
págs. 14-16.
Acervo: ICMC.
Instituto Cultural Maria de Castro.