terça-feira, janeiro 23, 2024

FAZENDA DAS PEIXOTAS

 LENDAS EM TORNO

 DA FAZENDA DAS PEIXOTAS E DA CAPELA DO ROSÁRIO

O carneiro de Ouro

João Dornas Filho chama a atenção para uma lenda que envolve Felipa Peixota (ou Peixoto), antiga proprietária da fazenda das Peixotas no arraial de Santana do Rio São João Acima, hoje Itaúna/MG. Segundo o historiador, a fazendeira teria adquirido uma vasta sesmaria ao presentear o Príncipe Regente D. João (mais tarde Rei D. João VI) com um “carneirinho” feito de ouro proveniente de uma das suas lavras das Lavrinhas. Essa sesmaria, abrangia Santana e se estendia ao longo do rio de São João Acima até Lavrinhas, do Barreiro até Cajurú e Rio Pará, e mais acima pelo Rio São João em direção a Santana. Segundo o historiador João Dornas é evidente, apenas pelo seu tamanho, que esta tradição é altamente implausível, especialmente quando se consideram as cartas de sesmaria documentadas de Manoel Teixeira Sobreira e Antônio Gonçalves da Guia, bem como as de Manoel Teixeira Mossa - todas elas enquadradas no suposto território de Felipa Peixota, conforme tradição.

A Capela do Rosário

Os antigos habitantes do arraial de Santana foram avisados ​​de que a Capela “ia ser fundada no chapadão dos Capotes”. Porém, devido a doenças prevalentes, decidiu-se construí-lo no morro que hoje é o Rosário. Esta escolha foi influenciada por um certo Torquato Alves, agricultor residente nas proximidades. Reza a lenda que uma próspera fazendeira chamada Felippa Peixoto (Santiago – não sei onde ele tirou esse sobrenome), moradora da fazenda Peixotas, doou generosamente a propriedade à capela. Este lugar sagrado serpenteava ao longo do morro da Laje e dos riachos aninhados nas cristas onduladas que circundavam a humilde igreja. A doação abrangeu inclusive as terras agrícolas pertencentes ao Coronel Quintiliano Lopes Cançado que 1855, registou a Capela “já como sua”, fazendo este significativo registro no livro oficial da Paróquia, conforme estabelecia a Lei de 1850, que atualmente se encontra arquivado no APM - Arquivo Público Mineiro.

Testamento de Felipa Peixota 1804 ITAÚNA - MG

Sant'Anna de São João Acima

TTro: O filho Domingos Francisco Peixoto

“Em nome de Deos amem=Saybam quantos este testamento virem que sendo no anno de Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oito centos e quatro aos vinte e hum dias do mes de Julho do ditto anno nesta Fazenda do Corgo do Soldado Termo da Villa de Pitangui em casas de morada do Alferes Antonio Soares Braga onde eu Filippa Peixota me achava, que por estar em meu perfeito Juiso quero fazer as minhas dispoziçoens de ultima vontade na forma seguinte= Declaro que sou natural da Cidade da Bahia filha legitima de João Peixoto e de Theresa Crioulla já falescidos= Declaro que fui casada com Manoel Francisco Simião já falescido, de cujo matrimonio tivemos os filhos seguintes= Martinho= Domingos= Antonio= Maria já falescida casada com Luis Moreira e deixou huma filha por nome Genovefa= Theresa também falescida casada com Antonio Peixoto e deixou dous filhos por nomes Jose e Anna= Izabel solteira também falescida e deixou hum filho por nome Antonio que todos são meus universais erdeiros asim como he de minha meação do casal= Manoel e Rosa casada com Domingos da Silva Porto, os quais dous filhos são adulterinos pellos haver concebido durante o Matrimonio em ausência do dito falescido meu marido= Declaro, instituo por meus testamenteiros em primeiro lugar a meu filho Domingos Francisco Peixoto, em segundo a outro meu filho Antonio Francisco Simião, e em terceiro lugar a meu neto Jose Francisco e lhes deixo hum anno para dar contas deste testamento= Declaro que por meu falescimento sera meu corpo amortalhado  no habito de Nossa Senhora do Monte do Carmo por ser irmaa professa na ordem Terceira da Villa Rica e sepultada na Capella de Nossa Senhora Santa Anna de São João Asima desta Freguesia de Pitangui e acompanhara meu corpo o Reverendo Capellam e outros sacerdotes que comodamente se ajuntar a quem se dara cera de meya [?] e se distribuira no dito meu enterro meya arroba de cera = Declaro que se dirão por minha Alma vinte missas e outras tantas pella Alma de meu falescido marido de esmolla costumada= Declaro que pellos bons serviços que me tem feito minha escrava Custodia crioulla a deixo forra e meu testamenteiro lhe passara logo depois do meu falescimento sua Carta de liberdade asim como tambem fara o mesmo a Rita crioulla e Joanna crioulla que sera incluido na minha terça os seus valores= Declaro que meu testamenteiro dara a cada huma das duas filhas de Antonio de Medeiros Rosa por nomes de Rufina e Manuella desasseis oitavas de ouro para ambas como tambem a Dona Bernarda Maria orfa irmãa do Capitam João Baptista Leite des oitavas de ouro. E nesta forma hei por acabado este meu testamento de ultima vontade que o mandei escrever pelo Tabeliam Jose Moreira de Carvalho no mesmo dia mes e anno asima declarado, e por não saber ler nem escrever mandei que asignase a meu rogo meu filho Martinho Francisco Simião.” A rogo de minha mãe Filippa Peixota= Martinho Francisco Simião=

APROVAÇÃO: em 21 de Julho de 1804 na Fazenda do Corgo do Soldado Termo da Cidade de Pitangui em casa do Alferes Antonio Soares Braga;

ABERTURA: em 26 de Julho de 1808 em Santa Anna de São João Acima pelo Capelão Jose Bernardino de Sousa;

ACEITAÇÃO: em 22 de Agosto de 1808 pelo filho Domingos Francisco Peixoto;

 

 FAMÍLIA GONÇALVES DE SOUZA E A FAZENDA DAS PEIXOTAS

O historiador e genealogista Guaracy de Castro Nogueira em suas pesquisas a família Gonçalves de Souza, destaca que no arraial de Sant'Ana, (hoje Itaúna/MG), Manoel Gonçalves Cançado alcançou grande prosperidade e riqueza como fazendeiro. Seus sobrinhos, naturais do Bonfim e filhos de sua irmã Maria Sabina do Nascimento, chegaram a Sant'Ana. Maria Sabina era casada com o estimado guarda-mor Antônio de Sousa Moreira. Um por um, esses sobrinhos casaram-se com as filhas de Manoel, suas primas, e receberam dotes substanciais. Fruto dos casamentos entre os cinco irmãos Souza Moreira e os seus cinco primos Gonçalves Cançado, surgiu a estimada família conhecida como Gonçalves de Souza de Itaúna.

Manoel Gonçalves Cançado faleceu em Sant'Ana e o inventário de seus bens foi iniciado em Pará de Minas em 6 de outubro de 1877. O valor total de seus bens atingiu impressionantes 49:576$864 (quarenta e nove contos, quinhentos e setenta e seis mil e oitocentos e sessenta e quatro réis), que incluíam numerosos móveis, escravos, propriedades, dotes e dívidas pendentes. Notavelmente, seus bens abrangiam três fazendas e seis casas. Após cuidadoso exame, apurou-se que a Fazenda dos Campos, avaliada em 2.870$000 (dois contos e oitocentos e setenta mil réis), foi herdada pela viúva Dona Tereza Maria de Jesus. 

Quanto à Fazenda das Peixotas, anteriormente propriedade de Felipa Peixota, parece que Antônio José Lício, através de suas comparações, revelou que na verdade pertencia à família Fernandes. Dentro desta propriedade, Manoel Gonçalves Cançado tinha a propriedade partilhada de cinco alqueires, indicando que a adquiriu e posteriormente a repassou ao seu genro, José Gonçalves de Sousa Moreira, durante o processo de inventário, pelo valor de 3: 700$000 (Três contos e setecentos mil réis). Passando para a Fazenda da Cachoeira, originalmente propriedade de Manoel Jacinto Madeira e Antônio Gonçalves Bonfim, foi posteriormente transferida para os quatro genros de Manoel Gonçalves Cançado, recebendo cada um quarto de participação. O valor total deste imóvel ascendeu a 5.500$000 (Cinco contos e quinhentos mil réis). 

Os genros em causa eram Manoel José de Sousa Moreira, Vicente Gonçalves de Sousa, Francisco Gonçalves de Sousa e José Alves Moreira. Após o falecimento de Dona Teresa Maria de Jesus, em 13 de abril de 1880, três anos após a morte de seu marido, em Pará de Minas, foi realizado seu inventário amigável.

 

CRISTAL DE ROCHA NAS PEIXOTAS

Nas pesquisas sobre a Fazenda das Peixotas, encontramos uma autorização dada a José Gonçalves Franco, que obteve permissão para investigar cristais de rocha através da assinatura de um decreto em 1942, conforme registro abaixo:

Decreto nº 9.449, de 22 de Maio de 1942

Autoriza o cidadão brasileiro José Gonçalves Franco a pesquisar cristal de rocha no município de Itaúna do Estado de Minas Gerais. O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 74, letra a, da Constituição e nos termos do decreto-lei n. 1.985, de 29 de janeiro de 1940, (Código de Minas), DECRETA:

Art. 1º. Fica autorizado o cidadão brasileiro José Gonçalves Franco a pesquisar cristal de rocha numa área de dez hectares e trinta e um ares (10,31 Ha) situada na "Fazenda das Peixotas", município de Itaúna do Estado de Minas Gerais e delimitada por um retângulo que tem um vértice a trezentos e dez metros (310 m), na direção três graus nordeste (3º NE) magnético, da confluência dos córregos "Peixotas" e "Tamancas" e cujos lados adjacentes a esse vértice têm os seguintes comprimentos e rumos magnéticos: trezentos e quarenta e sete metros (347 m) e vinte oito graus e trinta minutos noroeste (28º 30' NW); trezentos metros (300 m) e sessenta e um graus e trinta minutos nordeste (61º 30' NE).

Art. 2º. Esta autorização é outorgada nos termos estabelecidos no Código de Minas.

Art. 3º. O título da autorização de pesquisa, que será uma via autêntica deste decreto, pagará a taxa de cento e dez mil réis (110$0) e será transcrito no livro próprio da Divisão de Fomento da Produção Mineral do Ministério da Agricultura.

Art. 4º. Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 22 de maio de 1942, 121º da Independência e 54º da República.

GETULIO VARGAS.

Apolonio Salles.

 

Organização, pesquisa e texto: Charles Aquino - Historiador Registro nº 343

Paleografia do Testamento de Felipa Peixota: Genealogista Dr. Alan Penido

Testamento Felipa Peixota - AJP – Arquivo Judicial de Pitangui - Processo V,109-1810-G.1-Pitangui – In IPH – Instituto Histórico de Pitangui.

Testamento Felipa Peixota, Cx91/Dc3164, 1804. ICMC. Instituto Cultural Maria de Castro.

Câmara dos Deputados - Palácio do Congresso Nacional - Praça dos Três Poderes. Legislação Informatizada - Decreto nº 9.449, de 22 de Maio de1942 - Publicação Original. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-9449-22-maio-1942-471084-publicacaooriginal-1-pe.html

NOGUEIRA, Guaracy de Castro. In Enciclopédia Ilustrada de Pesquisa: Itaúna em detalhes. Ed. Jornal Folha do Povo, 2003, fascículo 26.

FILHO, João Dornas. Itaúna: Contribuição para a história do município, 1936, págs. 14-16.

Acervo: ICMC. Instituto Cultural Maria de Castro.

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