Nos
anos cinquenta, frango era comida de domingo. Aliás, o cardápio do ajantarado,
uma mistura de almoço com jantar, tinha frango, arroz de forno e macarronada.
Falar em comer "uma massa" é palavreado moderno. Comia-se
macarronada. Nas casas de ascendência italiana, o macarrão era feito em casa. O
rolo de madeira, conhecido como rolo de pastel, na verdade é o " pau do
macarrão".
Voltemos
ao frango. Comida cara naqueles tempos de famílias numerosas. Tão caro a ponto
de existir o ditado: "pobre quando come frango é sinal de doença nele ou
no frango!!!!"
Apesar
de quase todas as casas terem na época, galinhas no terreiro e por consequência
frangos, eram os tais "caipiras", criados soltos, tratados com milho,
sobras de comida, sobras de verdura, ciscando e " pastando" no
quintal. Demoravam a crescer e chegar no ponto de abate. No mínimo seis meses
ou até mais. Isso, se não morressem antes de doenças. Bouba aviária, doença de
"new castle", caroços e outras pestes. Quando apareciam, dizimavam a
criação, sem dó nem piedade.
O
brasileiro tinha uma inveja danada do americano do Norte. Lá, em razão do
desenvolvimento de várias raças, a carne de frango era a mais barata. Comida
comum, tanto quanto os hambúrguers e as salsichas.
O
frango era abatido de véspera. No sábado, a dona de casa apanhava o desditado.
Na cozinha de fogão a lenha, já tinha na trempe uma panela grande com agua a
ferver. Pegava o galináceo e no chão da cozinha com o pé direito prendia as
duas asas do "sacrificado" e com o pé esquerdo imobilizava os pés da
ave.
Feito
isso, com uma das mãos pegava a cabeça do bicho e esticava o pescoço do frango.
Com a outra mão, devidamente munida de uma faca, arrancava penas do pescoço,
deixando a mostra a jugular da ave. Um corte certeiro e o sangue fresco
escorria num prato colocado ali para tal serventia. Depois de sangrado, não
demorava fechar os olhos. Morto e bem morto.
De
imediato era mergulhado na água fervente. A fervura amaciava as penas e em
pouco tempo já estava depenado. A penugem remanescente era sapecada no fogo.
Bem pelado, hora de abrir o galináceo. Tirar a "barrigada" e
descartar. Separar fígado, moela e coração. Se era para ser assado, aproveitar
os miúdos para colocar na farofa. Se era para ser feito ensopado, cortar a ave
em pedaços, sempre pelas "juntas" para separar coxas, sobrecoxas,
asas, contra-asa. A parte mais nobre era o peito, depois o "sobre" e
o Santo Antônio. A carcaça com as costelas e os pés, pedaços piores.
Por
fim, abrir a moela, retirar a sujeira, tirar com a faca a parte interna, dura e
amarga. Jogar água quente em todas as partes e lavar bem lavado. Em seguida,
passar um limão capeta em toda a ave e preparar a "vinha d'alhos",
com os temperos. Temperar bem e deixar na "marinada". No dia
seguinte, jogar na panela. Em tempo: se a receita fosse de frango ao molho
pardo ou "cabidela" como preferem os portugueses e os nordestinos, o
sangue tão logo aparado no sangramento, carecia de um pouco de vinagre para não
"talhar". Sem sangue não tem molho pardo.
Duas notas
Receitas
e temperos ficam para outra ocasião. Em Minas Gerais a preferência é do Frango
com quiabo e angu ou do Frango ao molho pardo. Assado, normalmente era recheado
com a farofa de miúdos. Frito na gordura de porco bem quente, tomou o nome de
Frango a passarinho. Nessa receita, as partes são cortadas em partes menores e
as vezes, empanadas com ovo batido e farinha de rosca.
Frango
vai bem com quase todos os acompanhamentos. A dificuldade era sempre da dona de
casa. Tinha de cumprir todas as tarefas listadas acima e depois dividir com
sabedoria de Salomão, os pedaços para a família.
Na
repartição no almoço, as preferências eram observadas. O pai da família gostava
mais do "sobre". Asas, coxas, sobrecoxas, Santo Antônio, distribuídas
aos filhos. O peito era disputado. Dentro dele tem um osso, vulgarmente chamado
de aposta ou jogo. Depois de bem limpo e seco, servia para uma disputa. A
dificuldade maior era no domingo em que havia visita. Era a tão temida hora de
um ou outro filho dizer que não gostava de frango e ter a sua parte no prato da
visita. Enorme frustração.
*Urtigão
(desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em
Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog
Itaúna Décadas em 07/07/2017.
Acervo: Shorpy