domingo, março 22, 2015

JOÃO DORNAS: MONOGRAFIAS


    A História do Brasil só poderá ser escrita quando o trabalho de análise, que é o de pesquisas arquivais, estiver levantado em todas as suas minúcias.  Aí, então, as possibilidades de ser erguidas com a solidez e a serenidade necessárias.
Estamos ainda no período inicial da grande obra, quando se levantam os alicerces construídos de monografias sobre os vários aspectos da nossa realidade. [...].
Macaulay e Michelet seriam impossíveis se ao seu tempo a Inglaterra e a França não estivessem com o material reunido em milhares de monografias sobre todos os aspectos da civilização dos seus países.
    A sabedoria e a prudência dos nossos estadistas do primeiro reinado sentiram a necessidade de se promoverem os elementos para os futuros historiadores do Brasil, quando impuseram a obrigação de o vereador mais moço apresentar anualmente à Câmara Municipal a resenha dos fatos e acontecimentos ocorridos em seus municípios no ano anterior. Nada mais sábio e mais prudente. 
    E se esta determinação tivesse sido cumprida, que volume de material de primeira ordem não estaria já à disposição de mais amplas e abrangentes monografias! O nosso desamor pelo papel velho e pelos arquivos estaria assim anulado ou atenuado, sendo bem menores os prejuízos causados pelo desaparecimento de arquivos inteiros das paróquias e das municipalidades, consumidos pelas traças e pelos sacristães analfabetos. O arquivo paroquial de Itaúna foi quase todo consumido pelo fogueteiro local, que era também e funestamente o sacrista da matriz ...
    Bem andou, pois, o sr. arcebispo D. Antônio Cabral, quando criou o Arquivo da Cúria Metropolitana em Belo Horizonte, ao qual se deve recolher o arquivo paroquial do arcebispado. O mesmo deveria dar-se com outros arquivos, até mesmo particulares, que o governo do Estado faria recolher ao Arquivo Público Mineiro.
Há, todavia, a esperança de melhores dias para assunto de tanta magnitude [...].

MEMORIAL JOÃO DORNAS


Referência: 
Texto original João Dornas Filho: Vultos e Fatos de Diamantina, 1954, pág. 6
Organização e pesquisa: Charles Aquino

sábado, março 21, 2015

Década 20

Itaúna na Década de 1920: O Coração Histórico ao Pé do Morro do Bonfim

A imagem resgata um dos momentos mais emblemáticos da antiga Vila de Itaúna, já consolidada como município, na década de 1920. O cenário é dominado pela imponência do Morro do Bonfim (1), marco natural e espiritual da paisagem itaunense, que se ergue como guardião silencioso da história e da fé local. À sua sombra, pulsa o centro urbano em formação, onde as primeiras ruas e edificações públicas revelam o vigor de uma cidade que crescia sem perder o elo com suas raízes religiosas e comunitárias.

À esquerda, destaca-se o antigo Cemitério (2), delimitado por muros baixos e árvores esparsas, símbolo da transição entre o sagrado e o cotidiano. Logo acima, ergue-se a Cadeia Pública (3) — construção de linhas sóbrias, representando a autoridade e o controle municipal, tão característicos das vilas mineiras do período pós-império. Ao lado, o Fórum (4) completa o conjunto institucional, compondo, junto à Igreja Matriz (6), o núcleo político, jurídico e religioso da urbe.

A Rua Silva Jardim (5), que passa ao lado da Matriz, surge como um dos primeiros eixos urbanos do município, ligando a vida cotidiana aos espaços de poder e devoção. É nessa via que se consolidava o comércio e a sociabilidade da população, entre casarões de alvenaria e sobrados de traçado colonial.

O olhar se detém na Igreja Matriz de Sant’Ana (6) — epicentro espiritual e urbano de Itaúna. Com sua arquitetura imponente e paredes espessas, a Matriz simbolizava a centralidade da fé católica e o poder da Irmandade que, desde o século XIX, articulava tanto a vida religiosa quanto as decisões comunitárias. Atrás dela, ergue-se o Grupo Escolar (7), símbolo da modernidade republicana e do avanço da instrução pública, projetando no alto da colina a nova face de uma Itaúna que se abria à educação e ao progresso.

Mais ao fundo, o Casarão do Dr. Augusto Gonçalves (8) surge como testemunho do prestígio das elites locais, que entre a medicina, a política e o comércio, formavam a base do poder social e econômico da cidade. A Rua Antônio de Matos (9), repleta de pequenas residências, costura a malha urbana, conectando o centro à zona periférica e revelando o traçado irregular típico das vilas mineiras de topografia acidentada.

Em primeiro plano, destaca-se uma das curiosidades da época: o Circo Arethusa (10) — estrutura circular de lona clara, instalada para apresentações que encantavam o público itaunense. O circo, com suas músicas, risos e acrobacias, simbolizava o lazer e o encontro comunitário, rompendo a rotina de uma cidade que vivia entre o sagrado e o trabalho.

Por fim, a Rua Melo Viana (11) completa o registro visual, margeada por casas simples e árvores frondosas, sugerindo o cotidiano tranquilo da população que começava a se acostumar ao ritmo urbano do novo século. Cada telhado, cada rua e cada sombra captada nessa fotografia compõem um mosaico de memórias e permanências que ainda hoje ecoam na Itaúna contemporânea.

 Praça da Matriz Itaúna




03 - Cadeia Pública

04 - Fórum








Restauração digital : Charles Aquino

quarta-feira, março 18, 2015

QUEIMA DO JUDAS

A tradicional "Queima do Judas" é um costume que ainda resiste em diversas comunidades Católicas e Ortodoxas ao redor do mundo. Introduzida na América Latina pelos espanhóis e portugueses, essa prática tornou-se uma expressão cultural única e marcante.

O Judas, um boneco de proporções humanas e tamanho avantajado, era confeccionado com tecido e recheado com materiais inflamáveis, como palha, algodão, capim seco, bombril, traques e busca-pés. Esse boneco simbolizava a traição de Judas Iscariotes a Jesus Cristo, e sua queima era uma forma de expiação simbólica dessa traição.

Em Itaúna, a "Queima do Judas" era um evento aguardado com grande expectativa. O boneco era transportado para a praça principal da cidade em um caminhão, seguido por uma animada procissão de crianças e jovens que celebravam com entusiasmo. O Judas era então colocado em um local estratégico, onde à noite, a comunidade se reunia para participar das festividades.

As noites de “Sábado de Aleluia” eram especialmente vibrantes. Homens e mulheres vestiam-se elegantemente, passeavam pela praça e proseavam, enquanto aguardavam o momento culminante da queima. A celebração era enriquecida com uma atmosfera de socialização e alegria, onde os laços comunitários se fortaleciam.

O ponto alto da noite chegava com a leitura do "Testamento do Judas". Esse testamento era uma peça satírica, carregada de humor e críticas sociais, que arrancava risadas e reflexões dos presentes. Cada linha do testamento era uma oportunidade de revisitar os acontecimentos do ano, sempre com um olhar crítico e bem-humorado.

A queima do Judas, então, era iniciada. O boneco, repleto de materiais inflamáveis, ardia em chamas, acompanhado de fogos de artifício e explosões que iluminavam a noite. O espetáculo de luz e som marcava o encerramento das festividades, deixando na memória de todos os presentes a vivacidade e a importância daquela tradição.

Infelizmente, após longos anos de celebrações grandiosas, a "Queima do Judas" em Itaúna caiu no ostracismo. Mudanças culturais e sociais, além de novas formas de entretenimento, fizeram com que essa tradição perdesse parte de seu vigor. No entanto, a memória das noites de “Sábado de Aleluia” permanece viva nos corações dos itaunenses, como um símbolo de uma era em que a comunidade se unia em torno de um boneco para celebrar a vida, a crítica e a renovação.


Referências:
Fotografia: Década de 1908 / Praça da Matriz de Itaúna/MG
Pesquisa: Charles Aquino