quarta-feira, novembro 12, 2025

PRESERVAR X DEMOLIR (PARTE VIII)

O texto assinado pelo engenheiro Hudson Santos revela um momento decisivo no debate sobre a preservação da memória urbana de Itaúna, no final da década de 1970 — discussão que se intensificaria ao longo da década de 1980.

 Trata-se de um documento que expressa, com clareza e urgência, a preocupação com o risco de perda definitiva do antigo hospital — edifício que, para além de sua função original, cristalizou valores identitários, afetivos e culturais de gerações itaunenses.

O autor situa o hospital como símbolo do passado arquitetônico local e, sobretudo, como um marco da construção coletiva da cidade. 

Ao enfatizar que “o hospital velho é memória”, ele reconhece o patrimônio não apenas como matéria — tijolos, paredes, telhado — mas como expressão viva da história social, das práticas assistenciais e filantrópicas e da formação da identidade comunitária.

Em seu apelo ao poder público, o texto demarca um período em que Itaúna enfrentava dilemas comuns às cidades brasileiras de média dimensão nas décadas finais do século XX: modernização urbana acelerada, especulação imobiliária e abandono de edificações históricas. Esse cenário muitas vezes colocava o passado em confronto com o presente — e a memória coletiva em posição vulnerável.

A narrativa enfatiza a ação destrutiva do tempo sobre os edifícios históricos. Tal leitura ecoa as discussões contemporâneas de preservação, que reconhecem que o maior inimigo do patrimônio cultural nem sempre é a demolição direta, mas o abandono silencioso e progressivo, capaz de transformar bens materiais em ruínas. 

Cada dia de “descuido”, afirma Hudson, é uma agressão à memória — uma frase que sintetiza o drama do patrimônio em cidades que naturalizam o esquecimento.

Essa visão coincide com princípios defendidos pela UNESCO e por intelectuais como Alois Riegl e Pierre Nora, para quem monumentos, lugares de memória e testemunhos arquitetônicos são pilares da memória social e da consciência histórica.

Ao afirmar que “é no passado cultural de uma civilização que encontramos a chave para o futuro”, o autor se posiciona contra uma ideia de modernidade que rompe com suas próprias raízes. O apelo ultrapassa a preservação física do edifício e atinge uma dimensão simbólica: restaurar é também restaurar o elo social com a história.

Essa perspectiva é fundamental para a compreensão do patrimônio como recurso de identidade, pertencimento e educação histórica — valores que hoje pautam políticas culturais em nível nacional e internacional.

O texto demonstra que a defesa do hospital não era isolada, mas compartilhada por outros moradores atentos ao destino da cidade. A carta assume tom de manifesto: convoca autoridades e sociedade à responsabilidade coletiva sobre o bem cultural.

Essa postura reforça a importância da participação social nos processos de preservação e antecipa debates atuais sobre patrimônio participativo, memória democrática e cidadania patrimonial.

A carta de Hudson Santos é, por si só, documento histórico de grande relevância. Ela representa não apenas a defesa de um edifício, mas a reivindicação do direito à memória, ao legado cultural e à história compartilhada dos itaunenses.

Hoje, diante do processo de restauração em curso do "Hospital Velho" (Casa de Caridade Manoel Gonçalves de Souza Moreira), o texto ganha novo significado: torna-se testemunho da resistência da memória frente ao abandono, e símbolo da vitória da preservação sobre o esquecimento.

A permanência — mesmo após anos de espera — confirma o que o engenheiro antecipava: salvar o patrimônio não é um capricho nostálgico, mas um dever para com a cidade e suas gerações futuras.

PATRIMÔNIO CULTURAL X RESTAURAÇÃO

A restauração do hospital velho é viável e possível, mas qualquer trabalho de restauração é um empreendimento de alto custo e de grande morosidade. No entanto, é um trabalho que precisa ser feito. O tempo, nas velhas construções, age como mortal inimigo, destruindo-as totalmente ou reduzindo-as a um monte irreconhecível de escombros. 

Cada dia de descuido — ou mesmo de descaso — pode ser fatal ao patrimônio ou implicará em aumento no custo da restauração. Cada dia de descuido — ou mesmo de descaso — é um crime contra a mesma memória histórica e cultural.

Desta forma, apresento ao prefeito municipal e aos senhores vereadores, o meu apelo (e de tantos outros itaunenses), para que nossa jovem — e já fraca — memória municipal, não sofra mais uma perda. Não deixem que escombros venham a ocupar o lugar de uma possível casa de cultura ou mesmo uma faculdade.

O hospital velho é memória. É o passado arquitetônico itaunense, grande referência de nossa história. É no passado cultural de uma civilização que encontramos a chave para o futuro.

HUDSON SANTOS

Engenheiro Geólogo 

 

 Referência:

Organização e arte: Charles Aquino

Jornal ITA VOX - 1979/1980