Hoje em tudo que leio
sobre Itaúna, encontro algo ou algum significado que correlaciona com a nossa terra. Pois bem, no
livro "Páginas Tímidas" publicado em 1896 pelo escritor Nelson de
Senna, bem antes do batismo de nossa cidade, o autor cita a existência de um cacique
de nome Itaúna, chefe dos Pojichás, do vale do rio doce por volta
de 1830, cuja filha chamava-se "Guaracy" ou abreviadamente
"Aracy ".
E isto bem antes do batismo e fundação de nossa cidade. Mais pitoresco é ter já existido um "Itaúna" que tenha gerado uma "Guaracy", assim como nossa cidade o fez, dando-nos o saudoso político e grande historiador. Vejam trechos do livro e em especial o significado de "Guaracy":
E isto bem antes do batismo e fundação de nossa cidade. Mais pitoresco é ter já existido um "Itaúna" que tenha gerado uma "Guaracy", assim como nossa cidade o fez, dando-nos o saudoso político e grande historiador. Vejam trechos do livro e em especial o significado de "Guaracy":
ARACY
O sol » Em tupi era chamado « Guaracy
», que quer dizer « luz da vida », «fonte criadora ». Nos dialetos, porém, dos
índios, que, fugindo dos tupis, vieram se refugiar nas montanhas do Sul,
desapareceu a sílaba inicial «Gu» da palavra « Guaracy », que é a primitiva
tradução de sol.
Corre
o mês de junho de 183. . .
A
natureza se intumesce, bela e galante, ao começo da estação primaveril. Às
margens do rio, na pequena abra de Cuieté,
está um acampamento de Pojichás,
índios de origem tapuya, pelo ramo
degenerado dos Aymorés, e que naquela
larga zona inda vagueiam. Está próximo o acampamento indígena do generoso cacique
Itaúna, pois facilmente se percebe já
o surdo rumor dos saltos e encachoeiradas corredeiras do Doce.
Itaúna,
chefe dos Pojichás, é o pai da
formosa Aracy, estrela das selvas, cantada
por mil guerreiros fortes e bravos, que agora, na época das festas ruidosas da
tribo, vem mais uma vez celebrar a formosura da gentil donzela índia, em cujos
lábios de bonina colorados a abelha zumbidora destilou a inefável doçura dos
alvíssimos favos, que fabricou nos bosques.
Aracy tem nas delgadas e corretas formas de seu belo corpo nu, que o dourado sol de junho amoroso oscula, em claras alegrias, a lesta agilidade da corça vigorosa e fulva, que galga em pulos as serranias e valados; nas madeixas opulentas e descuidadas, que ela alisa, graciosa, com as pequeninas mãos bordadas pela bizarra e confusa tatuagem dos caraíbebês, brilham os negros e intensos fulgores das penas do corvo — a sinistra hiena alada dos píncaros e alturas.
Aracy tem nas delgadas e corretas formas de seu belo corpo nu, que o dourado sol de junho amoroso oscula, em claras alegrias, a lesta agilidade da corça vigorosa e fulva, que galga em pulos as serranias e valados; nas madeixas opulentas e descuidadas, que ela alisa, graciosa, com as pequeninas mãos bordadas pela bizarra e confusa tatuagem dos caraíbebês, brilham os negros e intensos fulgores das penas do corvo — a sinistra hiena alada dos píncaros e alturas.
Paliçadas
compridas (caiçaras) cercam o espaço
terreno ocupado pelos Polichás, que
ali se reuniram elo tempo da pesca abundante e nutritiva, afim de cantar os lúgubres
e efêmeros amores da nobre filha de Itaúna,
a qual vai desposar o mais denodado em façanhas e brios dentre os últimos
prisioneiros feitos na horda dos botocudos hostis.
É o sagrado e antigo costume da tribo. Por isso
todos aguardam, impacientes, o dia do delirante sacrifício, que preludia o louco
banquetear da festa barbara do cauim. . .. Os índios Pojichás cantam, embriagados pelo espumoso cauim, as suas nacionais
canções e belicosos hinos.
A
cabida selvagem reunida, sob o mando respeitado do cacique Itaúna, ouve, cheia
de fanatismo, as invocações e práticas cabalísticas dos manhosos e solitários
pajés, depois do que irão os índios se regalar em farto banquete primitivo, de caça
e pescado abundantes, que eles regarão com o liquido fermentado e entontecedor
das bojudas urnas de barro fabricadas (iguaçabas).
Aracy,
bela entre todas as jovens raparigas da tribo, tem sobre a cabeça um kanitar de fulvos reflexos; revestem-lhe
as roliças pernas, do joelho ao artístico tornozelo, as ligas distintivas da
virgindade, o simbólico tapacorá. Instrumentos
selvagens, como maracás. memhys, borés e
nays, ressoam em sua honra, pois é ela
a rainha da festa, a deslumbrante donzela, cândida e branca como o cecem que desabrocha nos prados e
silvedos, languida e delicada como o beijo do colibri nos jasmineiros em flor.
No
mais alto ebriamento da festa selvagem dos Pojichás,
quando já os tenros lábios carminados da doce e formosa Aracy, estão colados,
em celestes estribilhos de amor, aos grossos beiços polpudos e sensuais do
valoroso Pyrahtinga; quando prazeres
infinitos entontecem a mente exaltada dos noivos daquele singelo himeneu de
índios – repentinamente estrondejam, sinistros e estridentes, os clangores guerreiros de um pavoroso
ataque inopinado de hordas inimigas, que amplamente envolvem o acampamento
bloqueado por todos os lado inermes e desapercebidos Polichás.
Com
efeito era Angá, o terrível e
concupiscente Angá, cacique audacioso
que viera para arrancar pelas armas dos braços daquele efêmero noivado, a índia
Aracy, que desposara, segundo as práticas
rituais de sua tribo, o mais glorioso dos últimos prisioneiros dos Pojichás — Pirahytinga.
Conta
a lenda corrente entre os índios mansos do Rio Doce, que trucidadas foram todas
as cabildas então reunidas na abra de
Cuieté para a celebração dos amores
de Aracy — a dileta e suspirada filha de Itaúna, morubixaba dos inditosos Pojichás, ferozmente sacrificados aos
impiedosos golpes dos Jiporocks.
Quanto
ao destino dos infelizes noivos, morreram ternamente enlaçados, correndo-lhes
de larga ferida, aberta pelo mesmo propicio corte de seta inimiga, jorrante e
rubro fio de sangue, que foi o augusto batismo de suas rápidas núpcias,
cruelmente martirizadas.
O
terno canto agudíssimo que vibra a garganta metálica da araponga, ousada nas
grimpas esgalhadas de anosos carvalhos, e que estridula, em notas de viva e
heroica agonia, pelos recessos das florestas virgens: traduz a imaginosa poesia
autóctone, nas suas meigas e simples canções históricas, como o pungente adeus
saudoso de Aracy, cujo grito de dor,
— quando expirava, tendo o amoroso coração atravessado pela mortífera huy do gentio inimigo — a pequena ave errante imita desde então, talvez para
traduzir o imenso sofrer da formosa índia que morria. . .
REFERÊNCIAS:
Pesquisa e Apresentação do Conto:
Breno Marques da Silva. Possui graduação em Engenharia Metalúrgica pela
Universidade Federal de Ouro Preto (1981) e doutorado em Ciências, com ênfase
em Físico-Química Orgânica, pela Universidade de São Paulo (1989). Professor
Adjunto do Instituto de Ciências Exatas e Biológicas da UFOP (1982 a 1993).
Coordenador e Professor do Curso de Pós-graduação em Terapia Floral da
Faculdade de Ciências da Saúde - FACIS/IBEH (1995 a 1996). Criador do sistema
terapêutico Florais de Minas (1989). Desde 1993 é sócio proprietário, químico e
diretor de pesquisas do Laboratório Florais de Minas. Professor e autor de
vários livros sobre terapia floral. Tem experiência na área de Engenharia
Química, com ênfase em Tecnologia Química de Produtos Naturais.
Colaborador: José
Geraldo Chaves — Pepe Chaves: Desenhista, pesquisador, ufólogo, músico, documentarista,
escritor/editor, produtor cultural, artista plástico/gráfico, jornalista e
editor do Jornal Via Fanzine.
Organizador: Charles
Galvão de Aquino. Pós-Graduação em andamento pela Universidade Federal de Juiz
de Fora (UFJF) para o curso de História e Cultura no Brasil Contemporâneo.
Possui graduação em História pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)
- Divinópolis MG, com Projetos em Iniciação Científica de Pesquisa e Extensão
vinculado ao PROINPE UEMG, FAPEMIG, PAPq e PAEx. Tem experiência na área de
História na conservação, tratamento, organização e divulgação do Arquivo
Histórico de Pitangui nos séculos XVIII, XIX e XX. Genealogista e pesquisador
em arquivos Coloniais com leitura paleográfica. Possui interesse e pesquisa nas
seguintes áreas: História do Integralismo, Ciganos em Minas Gerais e Cultura
Afrodescendente no Centro-Oeste Mineiro.
Acervo:
Wikimedia Commons. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Spokane_Indian_woman,_Washington,_ca_1897_(LAROCHE_267).jpeg
Fonte impressa: SENNA,
Nelson de. Páginas Tímidas (Contos e Escriptos). Ouro Preto, Tpy Silva Cabral,
1896, p.12-24.