quarta-feira, fevereiro 07, 2018

ITAÚNA POJICHÁS GUARACY


Hoje em tudo que leio sobre Itaúna, encontro algo ou algum significado que correlaciona com a nossa terra. Pois bem, no livro "Páginas Tímidas" publicado em 1896 pelo escritor Nelson de Senna, bem antes do batismo de nossa cidade, o autor cita a existência de um cacique de nome Itaúna, chefe dos Pojichás, do vale do rio doce por volta de 1830, cuja filha chamava-se "Guaracy" ou abreviadamente "Aracy ".

E isto bem antes do batismo e fundação de nossa cidade. Mais pitoresco é ter já existido um "Itaúna" que tenha gerado uma "Guaracy", assim como nossa cidade o fez, dando-nos o saudoso político e grande historiador. Vejam trechos do livro e em especial o significado de "Guaracy":
ARACY
O sol » Em tupi era chamado « Guaracy », que quer dizer « luz da vida », «fonte criadora ». Nos dialetos, porém, dos índios, que, fugindo dos tupis, vieram se refugiar nas montanhas do Sul, desapareceu a sílaba inicial «Gu» da palavra « Guaracy », que é a primitiva tradução de sol.


Corre o mês de junho de 183. . .
A natureza se intumesce, bela e galante, ao começo da estação primaveril. Às margens do rio, na pequena abra de Cuieté, está um acampamento de Pojichás, índios de origem tapuya, pelo ramo degenerado dos Aymorés, e que naquela larga zona inda vagueiam. Está próximo o acampamento indígena do generoso cacique Itaúna, pois facilmente se percebe já o surdo rumor dos saltos e encachoeiradas corredeiras do Doce.
Itaúna, chefe dos Pojichás, é o pai da formosa Aracy, estrela das selvas, cantada por mil guerreiros fortes e bravos, que agora, na época das festas ruidosas da tribo, vem mais uma vez celebrar a formosura da gentil donzela índia, em cujos lábios de bonina colorados a abelha zumbidora destilou a inefável doçura dos alvíssimos favos, que fabricou nos bosques.

Aracy tem nas delgadas e corretas formas de seu belo corpo nu, que o dourado sol de junho amoroso oscula, em claras alegrias, a lesta agilidade da corça vigorosa e fulva, que galga em pulos as serranias e valados; nas madeixas opulentas e descuidadas, que ela alisa, graciosa, com as pequeninas mãos bordadas pela bizarra e confusa tatuagem dos caraíbebês, brilham os negros e intensos fulgores das penas do corvo — a sinistra hiena alada dos píncaros e alturas.

Paliçadas compridas (caiçaras) cercam o espaço terreno ocupado pelos Polichás, que ali se reuniram elo tempo da pesca abundante e nutritiva, afim de cantar os lúgubres e efêmeros amores da nobre filha de Itaúna, a qual vai desposar o mais denodado em façanhas e brios dentre os últimos prisioneiros feitos na horda dos botocudos hostis.

 É o sagrado e antigo costume da tribo. Por isso todos aguardam, impacientes, o dia do delirante sacrifício, que preludia o louco banquetear da festa barbara do cauim. . .. Os índios Pojichás cantam, embriagados pelo espumoso cauim, as suas nacionais canções e belicosos hinos.

A cabida selvagem reunida, sob o mando respeitado do cacique Itaúna, ouve, cheia de fanatismo, as invocações e práticas cabalísticas dos manhosos e solitários pajés, depois do que irão os índios se regalar em farto banquete primitivo, de caça e pescado abundantes, que eles regarão com o liquido fermentado e entontecedor das bojudas urnas de barro fabricadas (iguaçabas).

Aracy, bela entre todas as jovens raparigas da tribo, tem sobre a cabeça um kanitar de fulvos reflexos; revestem-lhe as roliças pernas, do joelho ao artístico tornozelo, as ligas distintivas da virgindade, o simbólico tapacorá. Instrumentos selvagens, como maracás. memhys, borés e nays, ressoam em sua honra, pois é  ela a rainha da festa, a deslumbrante donzela, cândida e branca como o cecem que desabrocha nos prados e silvedos, languida e delicada como o beijo do colibri nos jasmineiros em flor.

No mais alto ebriamento da festa selvagem dos Pojichás, quando já os tenros lábios carminados da doce e formosa Aracy, estão colados, em celestes estribilhos de amor, aos grossos beiços polpudos e sensuais do valoroso Pyrahtinga; quando prazeres infinitos entontecem a mente exaltada dos noivos daquele singelo himeneu de índios – repentinamente estrondejam, sinistros e estridentes, os clangores guerreiros de um pavoroso ataque inopinado de hordas inimigas, que amplamente envolvem o acampamento bloqueado por todos os lado inermes e desapercebidos Polichás.

Com efeito era Angá, o terrível e concupiscente Angá, cacique audacioso que viera para arrancar pelas armas dos braços daquele efêmero noivado, a índia Aracy, que desposara, segundo as práticas rituais de sua tribo, o mais glorioso dos últimos prisioneiros dos Pojichás Pirahytinga.

Conta a lenda corrente entre os índios mansos do Rio Doce, que trucidadas foram todas as cabildas então reunidas na abra de Cuieté para a celebração dos amores de Aracy — a dileta e suspirada filha de Itaúna, morubixaba dos inditosos Pojichás, ferozmente sacrificados aos impiedosos golpes dos Jiporocks.

Quanto ao destino dos infelizes noivos, morreram ternamente enlaçados, correndo-lhes de larga ferida, aberta pelo mesmo propicio corte de seta inimiga, jorrante e rubro fio de sangue, que foi o augusto batismo de suas rápidas núpcias, cruelmente martirizadas.

O terno canto agudíssimo que vibra a garganta metálica da araponga, ousada nas grimpas esgalhadas de anosos carvalhos, e que estridula, em notas de viva e heroica agonia, pelos recessos das florestas virgens: traduz a imaginosa poesia autóctone, nas suas meigas e simples canções históricas, como o pungente adeus saudoso de Aracy, cujo grito de dor, — quando expirava, tendo o amoroso coração atravessado pela mortífera huy do gentio inimigo — a pequena ave errante imita desde então, talvez para traduzir o imenso sofrer da formosa índia que morria. . .





REFERÊNCIAS:

Pesquisa e Apresentação do Conto: Breno Marques da Silva. Possui graduação em Engenharia Metalúrgica pela Universidade Federal de Ouro Preto (1981) e doutorado em Ciências, com ênfase em Físico-Química Orgânica, pela Universidade de São Paulo (1989). Professor Adjunto do Instituto de Ciências Exatas e Biológicas da UFOP (1982 a 1993). Coordenador e Professor do Curso de Pós-graduação em Terapia Floral da Faculdade de Ciências da Saúde - FACIS/IBEH (1995 a 1996). Criador do sistema terapêutico Florais de Minas (1989). Desde 1993 é sócio proprietário, químico e diretor de pesquisas do Laboratório Florais de Minas. Professor e autor de vários livros sobre terapia floral. Tem experiência na área de Engenharia Química, com ênfase em Tecnologia Química de Produtos Naturais.

Colaborador: José Geraldo Chaves — Pepe Chaves: Desenhista, pesquisador, ufólogo, músico, documentarista, escritor/editor, produtor cultural, artista plástico/gráfico, jornalista e editor do Jornal Via Fanzine.

Organizador: Charles Galvão de Aquino. Pós-Graduação em andamento pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) para o curso de História e Cultura no Brasil Contemporâneo. Possui graduação em História pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) - Divinópolis MG, com Projetos em Iniciação Científica de Pesquisa e Extensão vinculado ao PROINPE UEMG, FAPEMIG, PAPq e PAEx. Tem experiência na área de História na conservação, tratamento, organização e divulgação do Arquivo Histórico de Pitangui nos séculos XVIII, XIX e XX. Genealogista e pesquisador em arquivos Coloniais com leitura paleográfica. Possui interesse e pesquisa nas seguintes áreas: História do Integralismo, Ciganos em Minas Gerais e Cultura Afrodescendente no Centro-Oeste Mineiro.


Fonte impressa: SENNA, Nelson de. Páginas Tímidas (Contos e Escriptos). Ouro Preto, Tpy Silva Cabral, 1896, p.12-24.