No
começo da década de vinte, vez por outra, nas férias do grupo escolar, na
companhia de meu pai, numa arrancada de sete léguas puxadas, viagem a cavalo, a
gente ia a São Gonçalo do Pará, em visita aos nossos parentes residentes na
Aldeia do Curral, 3 quilômetros além do arraial.
No retorno a Itaúna, deixando São Gonçalo
pela Rua da Barragem, a gente passava por Buriti, Braúnas, atingindo logo à
frente à fazenda Campo alegre, que ficava à margem da estrada boiadeira, ao
sopé da serra do mesmo nome. A estrada real prosseguia avante e ia contornando
a serra avançando em seguida o vale do Rio São João, em demanda da fazenda da
Vargem, de propriedade do Sr. Nhô Zé, grande fazendeiro daquelas bandas.
Precisamente
defronte aos currais da fazenda Campo Alegre, a gente deixava a estrada e
ganhava umas trilhas tortuosas que subiam encosta acima, até atingir o cume da
serra, que não era realmente muito elevada, constituída mais por chapadões
íngremes e extensos. Os cavaleiros e pedestres passavam por aquele atalho,
apesar da subida por veredas sinuosas, mas que diminuía a viagem em alguns
quilômetros. Quando a gente atingia o alto, avistava-se ao longe, bem distante
mesmo para uma viagem a cavalo, a silhueta da Capela Senhor do Bonfim, bem no
ápice da serra do mesmo nome; com o sol a pino, percebia-se o cintilar da
capelinha branca lá no topo da montanha.
Naquele instante a saudade de casa apertava mais o coração da gente! ...
E
pensava: - Meus Deus, ainda teremos que viajar tantas léguas para que possamos
chegar a casa, lá no nosso cantinho da Rua Direita!
Olhando
sempre a imagem da Capela, enquanto ela podia ser vista, a gente ia guiando o
animal, descendo a serra passo a passo, por aquelas trilhas pedregulhosas, em
direção à fazenda do Nhô-Zé, que se avistava lá em baixo, no vargedo, não muito
distante do Rio São João. E enquanto ia descendo a vertente da montanha, meu
pensamento ia percorrendo os lugares por onde deveríamos passar, como: Fazenda
da Vargem, Brejo Alegre, Pedra, Fazenda da Bagagem, Subida da Serrinha (ao lado
da usina do caixão) e finalmente a chegada à Fazenda do retiro, do Sr. Astolfo
Dornas. Realmente, depois de algumas horas de viagem, passávamos efetivamente
pelos lugares acima mencionados.
Logo
após a nossa passagem pela Fazenda do Retiro, atravessávamos a ponte de madeira
sobre o Rio São João. Em seguida transpúnhamos também a estrada- de- ferro e já
bastante cansados, os animais iam subindo vagarosamente o trecho íngreme da Rua
Santana. Dali, olhando a nossa retaguarda, avistava-se lá no alto da serra, a
Capela Senhor do Bonfim, agora vista, bem perto da gente! E meu pensamento
retrocedia na viagem até o cume da serra Campo Alegre, concluindo com certa
alegria, que havíamos deixado para trás uma lasca de chão!
E
íamos em frente Rua Santana afora, Largo dos Passos, Rua 15 de Novembro até a
pracinha do Juca Flávio, e depois de atravessarmos a praia, chegávamos afinal
ao nosso querido cantinho da Rua Direita, já com o lusco-fusco da noite, quando
os pirilampos começavam a emitir aqui e ali a sua luz fosforescente. Graças a
Deus estava novamente em casa, junto de minha mãe e de meus irmãos. E dias
seguidos a silhueta da Capela Senhor do Bonfim, ficava gravada em meu
subconsciente como uma imagem amiga! ...
Graças,
Senhor, por essas reminiscências! ...
Texto do livro : FAGUNDES,
Osório Martins. Fragmentos de Um Passado, págs. 625/626, 1977.