A presença do Major Senocrit como padrinho não se limitou ao simples ato sacramental: tratou-se de uma figura decisiva na vida do menino Rossini.
Homem influente, de
recursos e grande prestígio na sociedade itaunense, Senocrit assumiu para si a
responsabilidade pela educação, formação intelectual e, sobretudo, pela
sustentação material da vocação religiosa do afilhado.
Foi ele quem
financiou seus estudos e, reconhecendo a nobreza e o brilho de sua
inteligência, incentivou sua entrada no seminário. Não por acaso, o próprio
Rossini posteriormente incorporaria o sobrenome Nogueira — herança
espiritual e afetiva do padrinho que o ajudou a se tornar quem foi.
Desde muito cedo,
Rossini revelou sinais claros de vocação sacerdotal. Já em criança demonstrava
inclinação para a vida de oração, docilidade, espírito de serviço e grande
interesse pelas coisas do altar.
O historiador João Dornas Filho, que conheceu de perto a realidade cultural de Itaúna, afirmou que
o menino Rossini era dotado de “viva inteligência” e desde criança manifestava
uma “piedosa vocação para o sacerdócio”. Frequentou as primeiras letras no
Grupo Escolar local e, posteriormente, aprofundou seus estudos com professores
que perceberam imediatamente seu talento excepcional.
Entre seus
mestres estavam professor José Gonçalves de Melo, respeitado educador, e Padre João Ferreira Álvares da Silva, figura intelectual de destaque no clero itaunense.
Este último exerceu papel fundamental ao reconhecer não apenas a vocação, mas o
brilhantismo do jovem Rossini.
Foi Padre João
Ferreira quem o encaminhou ao Seminário de Mariana, conseguindo sua admissão em
1917, quando o menino tinha apenas quinze anos. A partir desse momento,
iniciava-se uma trajetória que combinaria disciplina monástica, rigor acadêmico
e profunda espiritualidade.
No seminário de Mariana, Rossini destacou-se imediatamente. Tornou-se aluno distinto, querido pelos colegas e especialmente estimado pelo arcebispo Dom Silvério Gomes Pimenta, o grande intelectual da Igreja mineira e figura central da vida religiosa do início do século XX.
A amizade entre o
jovem seminarista e o venerável arcebispo ficou registrada por Dornas Filho,
que o definiu como “dileto amigo” de Dom Silvério — privilégio raríssimo, sinal
inequívoco do brilho do seminarista itaunense.
Em 1923, com a
fundação do Seminário Eucarístico em Belo Horizonte, Rossini foi transferido
para a capital, continuando seus estudos e acumulando responsabilidades
intelectuais: além de seminarista destacado, tornou-se professor no novo
seminário criado pelo recém-nomeado arcebispo D. Antônio dos Santos Cabral.
Ali completou sua formação teológica, consolidando um perfil equilibrado entre
o saber acadêmico e a mística da vida sacerdotal.
Finalmente, no
dia 29 de maio de 1927, Rossini Cândido Nogueira recebeu a Ordenação Sacerdotal,
coroando dez anos de formação e dedicação. Poucos dias depois, retornaria
triunfalmente à sua terra natal para celebrar a Primeira Missa, evento que
ficaria para sempre gravado na memória coletiva de Itaúna.
No dia 5 de junho
de 1927, ao chegar na Estação Ferroviária, encontrou um cenário de emoção
incomum: segundo o Livro do Tombo da Paróquia de Sant’Ana, a plataforma estava
“apinhada de povo como nunca se vira”. Famílias inteiras, crianças em uniforme
escolar, autoridades civis e religiosas, irmandades e pessoas simples, todas
reunidas para acolher seu primeiro filho sacerdote ordenado após muitos anos.
O professor Anselmo
Rosset, em discurso vibrante, saudou-o em nome da cidade, exaltando tanto sua
vocação quanto o orgulho cívico daquela geração. Padre Rossini respondeu com
profunda comoção, dizendo que aquela recepção possuía “duplo caráter — de fé e
de civismo”.
No dia seguinte, celebrou sua Missa solene na Matriz de Sant’Ana, paramentado ricamente e acompanhado liturgicamente por figuras de prestígio: Monsenhor João Alexandre, Padre Cornélio Pinto e o Vigário Geral, Monsenhor João Rodrigues de Oliveira. Uma excelente orquestra abrilhantou a celebração, e o sermão foi proferido pelo Padre João Vernusia, que tomou como tema a profunda pergunta: “Sacerdos, quis es tu?” — “Sacerdote, quem és tu?”
Ao final, o jovem
padre apresentou suas mãos ungidas ao povo para o tradicional beijo, que se fez
“com muito respeito”, conforme o Tombo registra.
Aquele dia
terminou com homenagens, discursos e um almoço solene no Club Itaunense,
conforme registra Dornas Filho. A população via em Rossini não apenas o
sacerdote recém-ordenado, mas um símbolo da ascensão cultural e espiritual da
própria cidade.
Poucos anos
depois, sua vida pastoral ganharia novos rumos. Em 31 de dezembro de 1928, foi
nomeado vigário da Paróquia de São Gonçalo da Contagem pelo arcebispo Dom Antônio Cabral. Sua posse ocorreu em 20 de janeiro de 1929, conforme ata
lavrada por Monsenhor João Rodrigues de Oliveira.
A solenidade foi
simples, seguindo o ritual canônico: leitura da provisão, entrega do templo e
assinatura pelo novo pároco. Em Contagem, Padre Rossini teria uma atuação
marcada pela humildade, zelo pastoral, dedicação silenciosa e atenção profunda
aos pobres, doentes e crianças.
A fase final de
sua vida, no entanto, é descrita com grande riqueza pelo jornal O Lampadário,
edição 791, de 21 de junho de 1941, órgão oficial da Diocese de Juiz de Fora.
Ali lemos o relato comovente de sua morte repentina, ocorrida no domingo
anterior, após celebrar a Santa Missa. Naquele dia, seu sermão girou em torno
de uma só frase, repetida com força espiritual: “Estote parati! Estai
preparados!”
A pregação
tratava da vigilância cristã, baseada em Lucas 12,37: “Bem-aventurado o servo a
quem o Senhor achar vigilante quando vier.”
Pouco depois de
proferir esse sermão — chamado pelo jornal de “o grande sermão da vida, sermão
mudo, mas eloquente” — Padre Rossini sofreu um mal súbito e faleceu. Uma hora
após ele despedir o povo com o “Ite, Missa est”, outro sacerdote já iniciava a
Missa de corpo presente.
Sua morte, aos 39
anos, causou enorme comoção. Durante todo o dia, a população formou longas
filas para se despedir; muitos ajoelharam diante do corpo; sua mãe, Dona
Isaltina, recebeu homenagens tocantes. A Missa de Réquiem, celebrada no dia
seguinte, reuniu grande parte do clero mineiro, além de representantes do
arcebispo de Belo Horizonte e do bispo de Juiz de Fora. O cortejo fúnebre,
descrito como “imponente e silencioso”, revelou a dimensão do amor e do
respeito conquistados pelo sacerdote.
O Lampadário
resumiu sua existência com a frase latina:
“Subita mors —
Sacerdoctum sors.” “Uma morte súbita — a
sorte dos sacerdotes.”
E completou com o
versículo evangélico que ele próprio havia pregado minutos antes de partir: “Bem-aventurado
o servo que o Senhor achar vigilante.”
Assim foi Rossini
Cândido Nogueira: sacerdote desde a infância, brilhante aluno dos seminários de
Mariana e Belo Horizonte, afilhado amado e protegido do Major Senocrit Nogueira, filho exemplar de Itaúna, pastor humilde e trabalhador em Contagem,
e, sobretudo, um homem que viveu e morreu no altar, consumindo a própria vida
no mesmo ato sagrado que dava sentido à sua existência.
Sua história,
embora breve, é luminosa — e sua memória permanece como testemunho de
fidelidade, pureza e entrega total ao chamado de Deus.
Hoje, no Cemitério Central de Itaúna, repousam lado a lado os túmulos do Major Senocrit Nogueira e de Padre Rossini Cândido Nogueira, uma proximidade que não é apenas física, mas profundamente simbólica.
O gesto de sepultá-los juntos perpetua, em
pedra e silêncio, o laço espiritual e humano que os uniu em vida: o padrinho
que assumiu papel paternal, custeou a educação, moldou o destino e deu o
sobrenome ao afilhado; e o sacerdote que, graças à generosidade e ao amparo
desse benfeitor, pôde florescer como um dos mais brilhantes ornamentos do clero
mineiro.
Major Senocrit —
figura central na articulação da emancipação político-administrativa de Itaúna
e verdadeiro guardião da formação intelectual do jovem Rossini — permanece,
mesmo após a morte, como sentinela discreto ao lado daquele cuja vocação ajudou
a sustentar. Assim, os dois descansam juntos como repousa uma obra ao lado de
seu artífice; como se o próprio tempo tivesse reconhecido que a história de um
não se completa sem a do outro.
Há muitos anos,
desde minhas primeiras leituras do livro Itaúna: Contribuição para a
História do Município (1936), de João Dornas Filho, carreguei comigo o
desejo de aprofundar a trajetória do Padre Rossini Cândido Nogueira. Dornas, ao
registrar algumas linhas sobre o sacerdote itaunense, despertou em mim a
certeza de que ali havia uma história maior, mais rica e quase esquecida, à
espera de ser resgatada.
No entanto,
durante muito tempo, encontrei pouquíssimas informações adicionais: fragmentos
dispersos, registros isolados, ecos tênues da memória de um homem que, apesar
de sua breve existência, marcou profundamente a vida religiosa da cidade.
Sempre soube que
um dia o tempo apresentaria a oportunidade necessária para preencher essas
lacunas. E esse momento chegou de forma inesperada e profundamente feliz.
Recebi uma mensagem do jovem Dalmo Assis de Oliveira, conhecido popularmente
como Dalminho, que, por indicação do pesquisador Alexandre Campos,
desejava contribuir com documentos e informações históricas sobre o Padre
Rossini. Ao abrir seus arquivos e estudos, fiquei maravilhado: eram dados
preciosos, registros raros, recortes antigos, imagens, narrativas e detalhes
que eu jamais havia encontrado.
Graças ao empenho
de Dalmo — que durante anos reuniu silenciosamente esse material — foi possível
reconstruir, com rigor e sensibilidade, uma biografia antes incompleta. Suas
contribuições permitiram entrelaçar documentos de época, relatos familiares, registros
paroquiais e pesquisas acumuladas ao longo da minha própria jornada, resultando
em um texto que devolve ao Padre Rossini o lugar que lhe é devido na memória de
Itaúna.
Compreendi,
naquele instante, que a história, mais uma vez, se fazia presente de forma
generosa. Através de encontros inesperados, ela nos oferece as chaves para
abrir portas há muito fechadas, permitindo que registremos, preservemos e
honremos a vida de pessoas que — como o Padre Rossini e aqueles que o
acompanharam — contribuíram para a formação espiritual, cultural e humana do
nosso município.
Este trabalho,
portanto, é mais do que uma biografia. É um ato de resgate, um gesto de
gratidão e uma reafirmação de que a memória histórica de Itaúna continua viva
graças a todos os que se dispõem a compartilhá-la, preservá-la e ampliá-la.
Realização e
pesquisa: Charles Aquino
Colaboração, Acervo
e Pesquisa: Dalmo Assis de Oliveira
DORNAS FILHO,
João. Itaúna: contribuição para a história do município. Belo
Horizonte: [s.n.], 1936. p. 120-121
O LAMPADÁRIO: órgão oficial da
Diocese de Juiz de Fora. Juiz de Fora, ano XVI, n. 791, 21 jun. 1941.
LAR CATHOLICO. Juiz de Fora:
Missionários do Verbo Divino, ano XV, n. 28, 10 jul. 1927, p. 223.
LIVRO BATISMOS
– Arquivo Eclesiástico de
Itaúna/MG. "Brasil, Minas Gerais, Registros da Igreja Católica. FamilySearch (https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:S3HT-6X77-ZTC?wc=M5NS-GP8%3A370040701%2C369941902%2C370074301%26cc%3D2177275&lang=pt&i=45&cc=2177275
):
13/11/2025), Santana > Batismos 1901, Dez-1918, Nov > image 46 of 398; Paróquias
Católicas (Catholic Church parishes), Minas Gerais.
LIVRO DO TOMBO
- Paróquia Santana de Itaúna/MG (1902-1947), p. 15, 15v.
PARÓQUIA DE SÃO GONÇALO DA CONTAGEM. Ata
de posse do Reverendo Padre Rossini Cândido Nogueira. Livro do Tombo,
Contagem–MG, 20 jan. 1929.
Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto e acervo.
https://orcid.org/0009-0002-8056-8407

