quinta-feira, julho 31, 2025

FRANCISCO 1884

 A JORNADA DE FRANCISCO

A narrativa a seguir é uma história fictícia, mas inspirada em documentos históricos autênticos: os anúncios de jornais do século XIX que buscavam capturar pessoas escravizadas que haviam fugido.

Esses registros, como o publicado em 1884 sobre o jovem Francisco, detalhavam com minúcia impressionante as características físicas e comportamentais das pessoas, revelando não apenas o esforço dos senhores em recapturá-las, mas também as marcas físicas e simbólicas de uma sociedade marcada pela violência e pela desumanização.

Ao construir a história de Francisco, buscamos dar vida a essas linhas secas e burocráticas dos anúncios, imaginando as emoções, os medos, as estratégias de fuga e os encontros humanos que não aparecem nos registros oficiais. 

Não se trata de julgar com os olhos do presente, mas de fazer um exercício de empatia histórica: olhar para o passado com profundidade, entendendo o contexto e reconhecendo as resistências silenciosas e corajosas de tantos homens e mulheres.

Esta é, portanto, uma ficção baseada em vestígios reais. Um convite à memória, à escuta do que os arquivos não disseram por completo — e à valorização da luta pela liberdade que moldou a história do Brasil.

 ESPERANÇA DE LIBERDADE

Em outubro de 1884, a Fazenda Medeiros, localizada em Sant’Anna de São João Acima, vivia dias de inquietação. Francisco, um jovem escravizado de 21 anos, tinha desaparecido na calada da noite, deixando para trás apenas um vazio e muitas perguntas. Pardo escuro, de estatura regular, cabelos anelados e uma expressão de determinação que desafiava o destino, ele já não podia mais suportar as correntes invisíveis que o prendiam àquela vida.

Desde cedo, Francisco era conhecido por sua inteligência e habilidade em aprender rapidamente. Apesar do trabalho árduo, ele tinha um espírito forte e alimentava um sonho proibido para muitos: a liberdade. Ele sabia que essa busca era perigosa, mas o desejo de ser dono de si mesmo superava o medo.

Na noite de sua fuga, Francisco aproveitou a escuridão para escapar pelos campos. Guiado pelas estrelas e pelo conhecimento que adquirira ao longo dos anos, ele traçou um caminho rumo às montanhas, onde esperava encontrar abrigo e talvez a ajuda de quilombos. Mas o perigo estava em todos os lugares. Os anúncios espalhados em jornais e a recompensa oferecida por José Ignácio de Mello eram um lembrete constante de que ele era caçado como um animal.

Francisco, porém, era astuto. Para confundir seus perseguidores, adotou o nome de Antônio Modesto e procurou se misturar entre os trabalhadores livres das pequenas vilas pelas quais passava. Sua capacidade de mudar de identidade, bem como sua descrição física marcante — como a verruga em um dos lados do rosto —, tornavam cada dia uma batalha para permanecer oculto.

Nessa jornada, Francisco encontrou aliados improváveis: pessoas comuns que, tocadas pela sua história e coragem, decidiram ajudá-lo. Uma dessas pessoas era Maria Clara, uma jovem viúva que, apesar dos riscos, ofereceu-lhe abrigo e informações sobre rotas seguras. Com o passar do tempo, Maria Clara e Francisco desenvolveram uma conexão profunda, unida pela esperança de um futuro melhor.

No entanto, a rede de caçadores de recompensas estava sempre um passo atrás. Em um momento de tensão, Francisco foi quase capturado ao atravessar uma pequena cidade. Foi salvo apenas graças a um grupo de quilombolas que interveio no momento certo, levando-o para um quilombo escondido nas profundezas da mata.

No quilombo denominado Catumba, Francisco encontrou mais do que proteção; encontrou uma comunidade de resistência, formada por pessoas que, como ele, tinham enfrentado o impensável em busca de liberdade. Lá, ele se tornou um líder, organizando ações para resgatar outros escravizados e lutar contra o sistema que tentava subjugá-los.

Apesar dos desafios, Francisco nunca esqueceu de onde veio nem o preço de sua liberdade. Sua história tornou-se uma lenda entre os quilombolas e as comunidades negras da região. Pouco anos depois, quando a abolição finalmente chegou, muitos se lembraram de Francisco como um símbolo de coragem e resiliência, um homem que enfrentou o impossível para conquistar aquilo que todos têm direito: a liberdade.

 Jornal A Província de Minas, nº 235
Ouro Preto, 27/11/1884

Elaboração: Charles Aquino

Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto.

Ouro Preto, 27 de novembro, 1884 Santana de São João Acima (Itaúna/MG).

segunda-feira, julho 28, 2025

LIBERTOS NO PITANGUI

Estudar Pitangui é essencial para compreender a história de Itaúna. 

A Revista de História da UEG publicou o artigo hoje (28/07/2025). O estudo investiga como libertos e suas comunidades articularam fé, reputação, palavra empenhada e estratégias jurídicas para acessar crédito, consolidar vínculos sociais e afirmar sua dignidade em uma sociedade colonial marcada por hierarquias.

Com base em fontes documentais como testamentos, registros matrimoniais, e as chamadas Ações de Alma — processos judiciais em que o juramento religioso era utilizado como instrumento de cobrança de dívidas — o artigo evidencia como a religiosidade popular e o sincretismo afro-cristão sustentavam formas de economia moral e resistência simbólica.

As irmandades leigas, especialmente as compostas por pessoas negras e pardas, são analisadas como instâncias centrais de apoio espiritual, solidariedade comunitária e regulação econômica. Ao integrar práticas religiosas, compromissos de palavra e redes de crédito informal, o texto contribui para uma historiografia que reconhece a atuação dos libertos como agentes históricos fundamentais na construção das sociabilidades no interior mineiro do século XVIII.

A leitura do artigo ganha ainda mais relevância ao se considerar que a atual cidade de Itaúna (MG) teve suas origens no antigo arraial de Santana do Rio São João Acima, que esteve juridicamente subordinado à vila de Pitangui durante o período colonial. Esse arraial, situado às margens do rio São João, funcionava como ponto estratégico de paragem e passagem de tropeiros, comerciantes e viajantes que, partindo da Corte (Rio de Janeiro), cruzavam o interior das Minas em direção à Picada de Goiás, uma das principais rotas coloniais rumo ao centro-oeste.

Esse papel geográfico e logístico inseria o arraial de Santana nas dinâmicas econômicas, religiosas e culturais de Pitangui, influenciando a formação das primeiras irmandades, práticas devocionais e relações creditícias locais. Entender, portanto, a “Pitangui” — com suas estruturas jurídicas, valores comunitários e redes espirituais — é fundamental para compreender as origens históricas de Itaúna e os traços de resistência e ancestralidade que ainda marcam sua cultura popular.

Disponível em:  Revista UEG

Imagem: Revista História da UEG

terça-feira, julho 01, 2025

COMERCIANTES PODEROSOS

Artigo publicado 
Revista História e Economia
Tenho o prazer de compartilhar a publicação do meu artigo: 

"Comerciantes poderosos: o poder da palavra como moeda circulante no sertão do Pitangui setecentista".

A pesquisa investiga como, no contexto do declínio da mineração em Minas Gerais no final do século XVIII, comerciantes locais assumiram um papel central na economia ao utilizar a confiança, a palavra e o crédito como instrumentos de circulação e controle econômico.

Por meio da análise de documentos judiciais preservados no Instituto Histórico de Pitangui, exploro as chamadas “Ações de Alma” e “Ações de Crédito”, destacando as relações entre economia, moralidade e religiosidade na formação de redes de dependência e poder local.


O artigo contribui para as discussões sobre: Economia moral e práticas de crédito, Cultura jurídica e religiosidade no Brasil colonial, Dinâmicas de poder em sociedades de Antigo Regime e A centralidade da palavra como forma de valor.

Agradeço à Revista História e Economia pelo acolhimento da pesquisa e convido colegas, pesquisadores(as) e estudantes a acessarem, lerem e compartilharem.

Durante o período abordado no artigo — o século XVIII —, o arraial de Sant’Ana do Rio São João Acima, atual cidade de Itaúna, integrava a jurisdição da vila de Pitangui. Situado estrategicamente no caminho dos sertões, o arraial era uma importante rota de passagem de tropeiros, o que favoreceu a circulação de mercadorias, ideias e práticas comerciais. É muito provável que vários comerciantes poderosos mencionados no estudo tenham atuado ou transitado por essa região, reforçando o papel do território itaunense nas redes econômicas e creditícias do período colonial.

🧾 Link para o artigo completo (acesso livre):

Referência:

A Revista História e Economia do Instituto Lima Barreto para a Mobilidade Social é uma publicação interdisciplinar editada pelo Instituto e pela Universidade de Extremadura (UNEX), sendo dirigida por um conselho editorial composto por professores de diferentes universidades, no Brasil, Espanha, Estados Unidos, México e Portugal.

Instituto Lima Barreto para a Mobilidade Social

Rua Saubara, 189. Itanhangá.

Rio de Janeiro, RJ 22641-550

Universidade de Extremadura

Departamento de História

Avenida de Elvas s/n 06006 Badajoz, Espanha