quinta-feira, fevereiro 08, 2024

QUILOMBO DA FAMÍLIA RODRIGUES

 Segundo o itaunense e genealogista Guaracy de Castro Nogueira, na margem esquerda do rio São João, adjacente à vila da Beira do Rio, no município de Itaúna/MG, estendia-se uma significativa extensão de terreno cultivado, delimitada por um “antigo muro de pedras”. Este local abrigou a família Rodrigues, remanescente de quilombo, constituída inteiramente por afrodescendentes. As visitas a este local revelaram algo verdadeiramente extraordinário para a nossa região em meados do século XX. Neste refúgio isolado residiam várias famílias, todas unidas pelo sangue partilhado e por vestígios tênues da sua herança africana. O mais velho deles era Belmiro, que ocupava o estimado cargo de patriarca, respeitado por todos. O genealogista ressalta que o patriarca revelou várias histórias de outros antepassados ​​da mesma linhagem que outrora habitaram esta mesma terra, embora as suas identidades permanecessem envoltas em mistério.

A própria terra ostentava solo fértil e água abundante, resultando em colheitas variadas. Sob a sábia liderança do velho Belmiro, as provisões eram distribuídas de acordo com as necessidades individuais de cada membro da comunidade, garantindo a sua sobrevivência coletiva. Os habitantes desta comunidade tinham interação mínima com a cidade; eles eram quase totalmente autossuficientes. Envolvidos em atividades como agricultura, colheita e tecelagem, não tinham interesse em documentos de propriedade ou dinheiro. Em vez disso, o seu desejo era encontrar uma nova terra onde pudessem manter o seu modo de vida atual.

Guaracy, em seu caráter informativo, revela que obteve com sucesso autorização de diversas empresas e procedeu à compra do restante da Fazenda do João Alves de Morais (vulgo João do Aarão). Neste terreno foram construídas seis casas, cada uma com sua área cercada e escritura oficial. Além disso, foi proporcionado a eles acesso à água, garantindo que tivessem tudo o que desejavam. Como gesto de compensação, cada casal também recebeu Cr$ 10.0000,00 (dez mil cruzeiros) em 26 de janeiro de 1956.

Em certas ocasiões, o historiador atravessava o lago de barco, acompanhado de alguns amigos, e comemorava com “foguetes, bebidas e biscoitos” junto com os quilombolas.  Estas confraternizações festivas prolongavam-se até altas horas da manhã, com danças animadas no terreiro ao ritmo da cabecinha de égua, acompanhadas pelos sons melodiosos dos oito contrabaixos de Vicente Ventura. Os indivíduos expressaram profunda gratidão, no entanto, constataram de que a terra em si não era tão fértil como esperavam. Consequentemente, tomaram a decisão de vender suas propriedades. Inicialmente, aqueles que procuravam um retiro à beira do lago eram os principais compradores. Infelizmente, a cidade não se mostrou benéfica para muitos deles e apenas alguns fizeram algum progresso significativo.

Às vezes, ainda segundo Guaracy, recebia mensagens solicitando transporte de barco para levar Belmiro ao hospital, pois foi um amigo fiel até sua morte. A companheira de Belmiro, Dona Conceição, também faleceu na cidade após viver uma vida marcante e longa ao lado do patriarca. O historiador ainda ressalta que as histórias de todos aqueles habitantes permaneceram intacta em suas memórias, incluindo Joaquim Rodrigues (viúvo), João Rodrigues casado com Mercês Maria Rodrigues; Marinho Rodrigues c/c Maria Severina de Jesus; Francisco Rodrigues c/c Vicentina Rodrigues de Paula; José Rodrigues c/c Maria Alves Rodrigues; Divino Rodrigues c/c Raimunda Vieira Rodrigues, bem como outros indivíduos ainda menores de idade. Destaca que se tratava de pessoas de bom caráter, honrados, humildes, indiferentes às agruras da vida, exemplificando a natureza pacífica e vida dinâmica daqueles verdadeiros quilombolas.

Hipótese

Após realizar uma breve investigação sobre o líder quilombola Belmiro, estou confiante de que as informações que encontrei estão alinhadas com as conclusões do pesquisador Guaracy. Para verificar ainda mais a veracidade, seria necessário o acesso às escrituras de terra daquela época. Com base nos documentos que examinei posso fornecer os seguintes dados: o nome completo do patriarca era Belmiro Severino Rodrigues, natural de Itaúna. Faleceu em 17 de abril de 1968, aos 78 anos, no dia seguinte foi sepultado no Cemitério Central do município de Itaúna. O registro de óbito o categoriza como filho de Carlota de tal, o que é bastante intrigante. Vale ressaltar que o nascimento de Belmiro ocorreu por volta de 1890, período pós-abolição. A partir disto, pode-se razoavelmente presumir que a sua mãe provavelmente tinha sido escravizada antes deste ato significativo de mobilização.



Referências:

Pesquisa e organização: Charles Aquino - Historiador Registro Profissional nº 343/MG

Fonte Impressa:  NOGUEIRA, Guaracy de Castro. In Enciclopédia Ilustrada de Pesquisa: Itaúna em detalhes. Ed. Jornal Folha do Povo, 2003, fascículo 34.

Imagem Ilustrativa: Autor Johann Moritz Rugendas, Escravidão, Habitation de négres, 1827. Brasiliana Iconográfica, Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil. Coleção Brasiliana/Fundação Estudar. Doação da Fundação Estudar, 2007. Disponível em: https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/19497/habitation-de-negres

Cemitérios Municipais: Prefeitura Municipal de Itaúna. Registro de óbito. Disponível em: https://www.itauna.mg.gov.br/portal/cemiterios/7207/

Certidão de óbito MG Cidadão: Disponível em:  https://cidadao.mg.gov.br/#/login