O texto assinado pelo engenheiro Hudson Santos revela um momento decisivo no debate sobre a preservação da memória urbana de Itaúna, no final da década de 1970 — discussão que se intensificaria ao longo da década de 1980.
Trata-se de um documento que expressa, com clareza e urgência, a
preocupação com o risco de perda definitiva do antigo hospital — edifício que,
para além de sua função original, cristalizou valores identitários, afetivos e
culturais de gerações itaunenses.
O autor situa o hospital como símbolo do passado arquitetônico local e, sobretudo, como um marco da construção coletiva da cidade.
Ao enfatizar que “o hospital velho é
memória”, ele reconhece o patrimônio não apenas como matéria — tijolos,
paredes, telhado — mas como expressão viva da história social, das práticas
assistenciais e filantrópicas e da formação da identidade comunitária.
Em seu apelo ao
poder público, o texto demarca um período em que Itaúna enfrentava dilemas
comuns às cidades brasileiras de média dimensão nas décadas finais do século
XX: modernização urbana acelerada, especulação imobiliária e abandono de
edificações históricas. Esse cenário muitas vezes colocava o passado em
confronto com o presente — e a memória coletiva em posição vulnerável.
A narrativa enfatiza a ação destrutiva do tempo sobre os edifícios históricos. Tal leitura ecoa as discussões contemporâneas de preservação, que reconhecem que o maior inimigo do patrimônio cultural nem sempre é a demolição direta, mas o abandono silencioso e progressivo, capaz de transformar bens materiais em ruínas.
Cada
dia de “descuido”, afirma Hudson, é uma agressão à memória — uma frase que
sintetiza o drama do patrimônio em cidades que naturalizam o esquecimento.
Essa visão
coincide com princípios defendidos pela UNESCO e por intelectuais como Alois
Riegl e Pierre Nora, para quem monumentos, lugares de memória e testemunhos
arquitetônicos são pilares da memória social e da consciência histórica.
Ao afirmar que “é
no passado cultural de uma civilização que encontramos a chave para o futuro”,
o autor se posiciona contra uma ideia de modernidade que rompe com suas
próprias raízes. O apelo ultrapassa a preservação física do edifício e atinge
uma dimensão simbólica: restaurar é também restaurar o elo social com a
história.
Essa perspectiva
é fundamental para a compreensão do patrimônio como recurso de identidade,
pertencimento e educação histórica — valores que hoje pautam políticas
culturais em nível nacional e internacional.
O texto demonstra
que a defesa do hospital não era isolada, mas compartilhada por outros
moradores atentos ao destino da cidade. A carta assume tom de manifesto:
convoca autoridades e sociedade à responsabilidade coletiva sobre o bem
cultural.
Essa postura
reforça a importância da participação social nos processos de preservação e
antecipa debates atuais sobre patrimônio participativo, memória democrática e
cidadania patrimonial.
A carta de Hudson
Santos é, por si só, documento histórico de grande relevância. Ela representa
não apenas a defesa de um edifício, mas a reivindicação do direito à memória,
ao legado cultural e à história compartilhada dos itaunenses.
Hoje, diante do
processo de restauração em curso do "Hospital Velho" (Casa de Caridade Manoel Gonçalves de Souza Moreira), o texto
ganha novo significado: torna-se testemunho da resistência da memória frente ao
abandono, e símbolo da vitória da preservação sobre o esquecimento.
A permanência —
mesmo após anos de espera — confirma o que o engenheiro antecipava: salvar o
patrimônio não é um capricho nostálgico, mas um dever para com a cidade e suas
gerações futuras.
PATRIMÔNIO
CULTURAL X RESTAURAÇÃO
A restauração do hospital velho é viável e possível, mas qualquer trabalho de restauração é um empreendimento de alto custo e de grande morosidade. No entanto, é um trabalho que precisa ser feito. O tempo, nas velhas construções, age como mortal inimigo, destruindo-as totalmente ou reduzindo-as a um monte irreconhecível de escombros.
Cada dia de descuido — ou mesmo de descaso — pode ser fatal ao
patrimônio ou implicará em aumento no custo da restauração. Cada dia de
descuido — ou mesmo de descaso — é um crime contra a mesma memória histórica e
cultural.
Desta forma,
apresento ao prefeito municipal e aos senhores vereadores, o meu apelo (e de
tantos outros itaunenses), para que nossa jovem — e já fraca — memória
municipal, não sofra mais uma perda. Não deixem que escombros venham a ocupar o
lugar de uma possível casa de cultura ou mesmo uma faculdade.
O hospital
velho é memória. É o passado arquitetônico itaunense, grande referência de
nossa história. É no passado cultural de uma civilização que encontramos a
chave para o futuro.
HUDSON SANTOS
Engenheiro Geólogo
Organização e arte: Charles Aquino
Jornal ITA VOX - 1979/1980
https://orcid.org/0009-0002-8056-8407
