Minas também
foi moderna: a história esquecida do modernismo fora de São Paulo
Quando se fala em modernismo no Brasil, quase sempre o foco recai sobre a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. É como se tudo tivesse começado ali, com Mário de Andrade, Oswald e companhia.
Mas será que é justo contar essa história como se
outros estados fossem apenas plateia? Minas Gerais, com sua tradição literária
riquíssima, também teve papel fundamental nesse movimento — e já passou da hora
de darmos a devida atenção a isso.
Em seu artigo “O modernismo mineiro” de 1970 do “suplemento Literário” paulista, o crítico e Professor Fábio Lucas nos convida a olhar para o modernismo sob outro ângulo.
Ele se apoia em estudos do sociólogo Fernando Correia Dias para mostrar que o
modernismo mineiro não foi uma simples réplica do paulista. Pelo contrário:
teve vida própria, personalidade forte e raízes bem fincadas no solo mineiro.
Antes mesmo de
1922, autores mineiros como João Alphonsus e Ronald de Carvalho já estavam
experimentando formas novas de expressão literária. Em 1921, a obra Panóplia,
de Carvalho, já trazia o frescor do novo em um momento em que o modernismo
paulistano ainda se organizava. Ou seja, enquanto os refletores ainda nem
tinham sido ligados em São Paulo, Minas já respirava modernidade.
Mas o que torna o modernismo mineiro tão especial não é apenas sua cronologia. É a forma como os escritores mineiros conseguiram integrar a tradição local à ousadia estética. Eles não queriam romper com tudo, mas sim reinterpretar — com espírito crítico e linguagem nova — aquilo que fazia parte da alma mineira.
Um exemplo marcante é
a revista Leite Crioulo, idealizada pelo itaunense João Dornas Filho com
colaboração de jovens como José de Guimarães Alves. A publicação foi ousada,
provocativa, e acabou sendo censurada em 1929 — sinal claro de que mexeu com
estruturas conservadoras.
Ainda assim, por que essa história ficou esquecida? Talvez porque os mineiros não fizeram tanto barulho. O modernismo em Minas foi mais silencioso, mais profundo, menos performático — e talvez por isso tenha sido deixado de lado pelas narrativas mais convencionais. Fábio Lucas questiona justamente isso: por que insistimos em contar uma história do modernismo tão centrada em São Paulo, quando há tanta riqueza criativa em outras regiões?
Em suma, revisitar o modernismo mineiro é mais do que um exercício de memória — é um gesto de justiça literária. É reconhecer que a modernidade no Brasil sempre foi plural, diversa e profundamente enraizada nas realidades regionais. Autores como João Dornas Filho, Rosário Fusco, Aquiles Vivacqua, Guilhermino César e Francisco Inácio Peixoto merecem estar no mesmo panteão daqueles que transformaram a literatura brasileira. E mais: merecem ser lidos, discutidos e redescobertos — ao lado dos modernistas mineiros já consagrados como Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Pedro Nava, Cyro dos Anjos, Abgar Renault e outros (grifo meu).
No fim das contas, valorizar o modernismo mineiro é valorizar a diversidade cultural do Brasil. É perceber que nossa identidade literária não cabe em um só palco. Minas também foi moderna — e talvez tenha sido moderna à sua maneira, com silêncio, sutileza e força. E isso, convenhamos, é muito mais interessante do que uma história contada pela metade.
Quem é Fábio
Lucas?
Fábio Lucas foi um renomado crítico literário, ensaísta e professor mineiro. Autor de dezenas de livros sobre literatura brasileira, especialmente sobre a literatura mineira, ele foi membro da Academia Mineira de Letras (Cadeira 22/1931) e teve atuação destacada na valorização de vozes regionais na crítica literária. Sua obra é marcada por uma visão crítica e plural da cultura nacional, sempre buscando destacar autores e movimentos esquecidos ou marginalizados pela historiografia tradicional.
Referências:
Pesquisa e
elaboração: Charles Aquino
Jornal Suplemento Literário, São Paulo, 30 de maio 1970, p.4, Ed.672.
Hemeroteca Digital Brasileira – Biblioteca Nacional