sábado, maio 11, 2019

ANGU COM COUVE

*Toni Ramos GONÇALVES

A última vez que estive com minha mãe, eu tinha dezessete anos, era fim de tarde e retornava do trabalho. Convenci o porteiro do hospital a me deixar entrar, uma vez que não o fiz no horário de visita.

Ela me recebeu, com um leve sorriso e a mesma esperança. “Trouxe cigarros? ” “Não, mãe. O médico proibiu, lembra? ” Sentei na cama, e instantaneamente acariciou meu rosto queimado pelo sol. “Quero ir embora. Quero comer angu com couve. Saudade de minha comida. ”

Fazia vinte e dois dias que estava internada por causa de um AVC. Adoeceu no dia de seu aniversário de trinta e cinco anos. Desmaiou na casa da vizinha, que a socorreu levando-a ao hospital. O atendimento só foi realizado dez horas depois do ocorrido.

“O médico deve dar alta em breve, a senhora vai ver.” Assim eu pensava e me iludia, mesmo depois do médico relatar o diagnóstico e revelar a gravidade da doença na noite da internação para mim e minha irmã, de apenas doze anos.

Ficamos ali, mãe e filho, de mãos dadas por alguns minutos, no silêncio frio daquele quarto. Olhei para os lados, os outros dois leitos estavam ocupados e as enfermas dormiam. “Cadê aquele senhora que estava aqui ontem, mãe?” Ela olhou para o lado direito. “Morreu hoje cedo. E colocaram essa outra aí.”

Olhei para minha mãe e vi uma tristeza imensa em seus olhos, que se umedeceram logo em seguida. “Está triste, mãe. Chora não” Acariciei seus cabelos e dei um abraço que durou alguns minutos, mas que podiam ser eternos.

O medo pelo futuro ameaçador fez que eu me distanciasse e decidisse ir embora. “Mãe, tenho que ir.” Ela me fitou ainda segurando minha mão e me fez o mesmo pedido das outras visitas. “Não brigue com sua irmã.”

“Tá mãe, pode deixar.” Beijei seu rosto, algo muito incomum para mim e me afastei sem olhar para trás. No corredor, eu já estava aos prantos. Chorei todo trajeto para casa. Nunca mais vi minha mãe viva. Arrependo de não ter prolongado mais aqueles minutos finais.

No dia seguinte, às 14h20, ela faleceu. Minha irmã ligou do hospital avisando. Agora, passados três décadas, eu com os cabelos já grisalhos, ainda carrego essa lembrança comigo. Na época, a vida que já era difícil, por ser filho de mãe solteira, tornou-se ainda pior.

Morei com avó, tia, até encontrar meu caminho. Foi uma longa jornada. Nos anos seguintes, casei com uma mulher linda e maravilhosa, tive dois filhos que muito me orgulham, além de ter um cão que esquenta meus pés enquanto escrevo meus textos. A vida é assim, temos que seguir, sempre.

Amanhã é o dia das mães. Tem muito tempo que ela se foi. Bateu a saudade, com força, confesso. Ela sempre será jovem em minhas lembranças. Vou convidar minha irmã para um almoço em família, é preciso. Que lasanha que nada, vou mudar o cardápio e pedir um angu com couve.... Ah, vou sim.

Beijos mãe, onde quer que esteja.

De seu filho*




Organização: Charles Aquino
Acervo: Shorpy