Livro de Óbito
THEREZA ESCRAVIZADA
Livro de Óbito
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Maria
do Carmo Moreira
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“Dona Cota”
Nasceu
em Sant’Ana do São João Acima, em 23 de Novembro de 1875, filha do capitão
Vicente Gonçalves de Souza e de sua esposa Joaquina Maria da Conceição (Dona
Quinota). Casou-se na Matriz de Sant’Ana, com seu primo-irmão Manoel Gonçalves
de Souza Moreira (Manoelzinho do Hospital), nascido em 19 de Dezembro de 1853,
filho de Manoel José de Souza Moreira e de Anna Joaquina de Jesus.
Segundo
depoimentos orais chegados ao nosso conhecimento, Dona Cota ao nascer e até os
10 anos, ficou aos cuidados de um casal que residia nos fundos da casa, mãe
Tininha e seu marido José, escravos de seu pai, capitão Vicente.
O
barracão era uma pequena senzala, onde moravam outros escravos que serviam à
família. Consta que a jovem “Cotinha” (seu apelido), quis se casar com um rapaz
comprador de gado, residente em Ouro Preto, mas houve oposição de seu severo
pai que cultivava a tradição: “case sua filha com o filho de seu vizinho”.
O
casamento com Manoelzinho nasceu de uma homenagem que a comunidade itaunense
lhe prestou, quando ela foi a oradora, escolhida para falar em nome de todos,
saindo-se muito bem e com muita graça. Tudo muito bem arranjado pelas famílias
de ambos, para que das palavras proferidas nascesse o amor.
Em
14 de Julho de 1894 aconteceu o casamento, ele com 40 anos e meio, ela com 18
anos e meio. Ele já maduro e experiente, ela uma menina-moça.
Estiveram em Paris, na Cidade-Luz, e lá, depois de convencidos de que não teriam filhos, trocando ideias sobre o futuro de ambos, teriam feito um pacto de que deixariam suas fortunas para os pobres e humildes de sua terra natal, Itaúna. O esplendor de Paris contrastando, naquela época, com a pobreza e falta de recursos do Brasil, motivou a decisão do casal.
Em
3 de Março de 1917, ele já com 63 anos e ela com 41 completos, com quase 23
anos casados, Manoelzinho fez seu testamento. Residiam em Belo Horizonte. Os
bens de ambos não se ligavam em virtude do regime de casamento adotado. Ambos
eram ricos.
Deixou para ela no testamento, “o usufruto, durante toda a sua vida, uma casa de morada, situada à rua dos Tupis, nº 51, nesta capital, com todo seu terreno cercado de gradil de ferro e muros, que são três lotes com 1.800m2, números 20, 21 e 22 do quarteirão 24, da terceira urbana.
Mais o usufruto de 100 apólices
federais emissão de 29 de Março de 1911, todas de valor nominal de um conto de
réis cada uma, e juros de 5% ao ano. Mais o usufruto de uma casa que estava
construindo em Itaúna, perto da casa de caridade, em terreno comprado ao senhor
Tobias Viana e sua mulher. E, ainda, toda mobília que existir, roupas de cama e
de vestir, na casa do rua Tupis, bem como o cofre de ferro (burra), os anéis de
ouro com brilhantes que existir e todas mais joias”.
Determinou
que os bens supra relacionados e onerados com a cláusula de usufruto, “passarão
por minha morte a pertencer à Casa de Caridade “Manoel Gonçalves de Souza
Moreira (...) e que esta casa será administrada pela Câmara Municipal da Cidade
de Itaúna, que poderá criar uma associação ou irmandade para administrá-la, e
em sua falta, pela diretoria da Companhia Tecidos Santanense.
Manoel
Gonçalves de Souza Moreira revogou, através deste testamento, um anterior
aprovado pelo Tabelião Doutor Plínio de Mendonça. Faleceu em 20 de Julho de
1920, com 66 anos e meio de idade, 3 anos, 4 meses e 17 dias depois de
elaborado seu último testamento.
Lamentavelmente,
seus sobrinhos, indignados, após a abertura do testamento de seu marido,
Manoelzinho, disseram para Dona Cota: “Tia, isto é um absurdo! Ponha advogado!”
Ao que ela respondeu: “Eu? Tocar demanda contra os pobres de Jesus? Deus me
livre de tal coisa!” Cota era muito religiosa e temente a Deus. Piedosa, sabia
rezar e conversar com Ele, pedindo sempre Sua proteção e amparo par a sua obra
e os que nela trabalhavam e fossem por ela assistidos.
Temos
grande admiração pelas mulheres da família Gonçalves de Souza. Nossa história é
rica de exemplos deixados por estas extraordinárias figuras humanas. Sem
dúvida, Dona Cota merece um lugar de grande destaque nesta galeria.
Após
a morte de seu ilustre e benemérito marido, maior figura de Itaúna em termos de
capacidade administrativa, tino comercial e serviços filantrópicos prestados à
comunidade, Dona Cota trilhou seu caminho e na qualidade de viúva ainda viveu
34 anos, 4 meses e 7 dias, vindo a falecer em 27 de Novembro de 1954.
Nestes
longos anos soube aumentar e construir seu patrimônio. Edificou uma bela casa
em Belo Horizonte, à rua Espírito Santo, nº 1594, onde viveu a maior parte de
sua viuvez.
Seis anos antes de seu falecimento, instituiu a Fundação São Vicente de Paulo, em 6 de Dezembro de 1948, com escritura pública registrada no Cartório do 1º Ofício, no Livro de Notas nº 32, às folhas 164v., com assistência do Doutor Promotor de Justiça, Dr. José Valeriano Rodrigues, com o objetivo: “proteger, moral e materialmente, menores desamparados, de preferência do sexo feminino, com especialidade, os naturais e residentes na cidade de Itaúna”:
Estabelecendo que “são absolutamente inalienáveis o terreno localizado à
Avenida Getúlio Vargas, nesta cidade, onde foi à casa de residência de seu pai
Vicente Gonçalves de Souza e os a ele adjacentes que a fundação vier a
adquirir, bem como as ações das seguintes sociedades: Companhia Tecidos
Santanense, Companhia Industrial Belo Horizonte e Companhia Renascença
Industrial”.
Nesta
escritura, a instituidora promete “transferir à fundação uma casa de morada e
seu terreno situados em Belo Horizonte, à rua Espírito Santo, nº 1594,
reservando para si o usufruto vitalício sobre ela”.
Imitando
seu marido, em 15 de Janeiro de 1949, Dona Cota chamou à sua presença o
Tabelião do 5º Ofício de Notas, Carlos Bolivar Moreira, e fez o seu testamento.
Nele, admitiu que sua casa em Belo Horizonte, encontrando um bom negócio,
poderia ser vendida e produto da venda se converteria em ações inalienáveis.
Aos
20 de Março de 1949, na primeira reunião da entidade, com os dirigentes Dr.
Lincoln Nogueira Machado (presidente), Dr. Alcides Gonçalves de Sousa
(vice-presidente), Dr. Fajardo Nogueira de Souza (1º secretário), Victor
Gonçalves de Souza (2º secretário) e Astolfo Dornas (tesoureiro), Dona Cota
também presente, foi apresentado e aprovado o acordo com as Irmãs Clarissas
Franciscanas Missionárias do Santíssimo Sacramento, visando a direção interna
do Orfanato.
Foram
aprovadas as plantas para a construção do Orfanato, ficando o engenheiro Dr.
Rubens Vaz de Melo encarregado de dirigir e fiscalizar as obras. Decidiu-se que
o capelão indicado pelo Arcebispo Dom Cabral seria irmão conselheiro com
direito a voto.
Em
14 de Fevereiro de 1950, faleceu Dona Tereza Gonçalves de Souza, destinando seu
patrimônio ao Orfanato instituído por sua irmã, Cota, ainda viva. Vários
sobrinhos tentaram anular o testamento que consistia de ações de várias
companhias, apólices do Estado, dinheiro, casa de morada à Avenida Getúlio
Vargas e seu terreno com 1.400m2, também um anel de brilhantes, tudo avaliado,
na época, em um milhão, duzentos e quatorze mil cruzeiros.
Em
resumo, esta foi a vida de grandes personalidades da família Gonçalves de Souza
as quais, com espírito cristão e religioso, demonstraram que dinheiro não é um
mal, mas um bem, que filantropicamente aplicado, melhora a vida dos mais
humildes, carentes e sofredores.
Texto: Guaracy
de Castro Nogueira (In Memoriam)
Instituto
Cultural Maria de Castro Nogueira - ICMC
Digitalização:
Juarez Nogueira Franco (In Memoriam)
Pesquisa/ Organização: Charles Aquino