terça-feira, dezembro 25, 2012

BATE-PAUS


O texto fornecido oferece um relato histórico detalhado da Revolução de 1930 sob a perspectiva dos habitantes de Itaúna, Minas Gerais. Ele destaca como a cidade, na época com cerca de 5 mil habitantes, foi impactada por eventos nacionais, especialmente pela mobilização das forças locais em apoio à revolução, ainda que com conhecimento limitado sobre o contexto geral do país. A narrativa é construída a partir de testemunhos orais de moradores e figuras importantes da cidade, como Benevides Garcia e o padre Waldemar, e revela tanto o envolvimento popular quanto a visão crítica sobre as promessas não cumpridas pela Revolução de 1930.

O texto enfatiza como a falta de comunicação eficaz na época deixava a população de Itaúna alheia aos eventos maiores do país. Notícias chegavam com atraso, e a população dependia, em grande parte, do que se transmitia localmente. Isso reflete a realidade de muitas cidades do interior naquela época, onde a comunicação limitada condicionava a percepção dos fatos.

 A formação dos "Bate-Paus", grupo civil liderado por Arthur Vilaça, é um elemento principal que ilustra a improvisação local frente à ausência de forças policiais regulares. O uso de porretes em vez de armas de fogo indica a precariedade dos recursos disponíveis, e o nome dado ao grupo reflete a criatividade e a adaptabilidade dos moradores. Esse destacamento improvisado mostra o espírito comunitário e a necessidade de autodefesa em tempos de instabilidade.

Os relatos de pessoas como Benevides Garcia e Cirilo José Gomes trazem uma perspectiva pessoal e emocional sobre os eventos. A menção ao temor e à resistência em participar, como a relutância de Cirilo em usar o lenço vermelho que simbolizava o apoio à Revolução, revela a complexidade das lealdades políticas na época. Esses depoimentos fornecem uma visão intimista e concreta da experiência vivida pelos itaunenses durante a Revolução.

A Revolução de 1930, embora vista com esperança por alguns, como expressa pela Dona Nair ao rezar pelo sucesso do movimento, foi posteriormente vista com ceticismo e até decepção. A dissolução da Câmara Municipal e a nomeação de um conselho consultivo pelo Governo estadual destacam as mudanças políticas locais, mas o sentimento geral, como resumido pelo Dr. Coutinho e o padre Waldemar, é de que a Revolução falhou em cumprir suas promessas. 

O texto termina com uma comparação interessante entre a Revolução de 1930 e a de 1964, sugerindo que a primeira teve mais participação popular, enquanto a segunda foi imposta de maneira mais autoritária. Ambas, no entanto, são vistas como movimentos que, no final, não realizaram as reformas esperadas.

O texto é uma rica fonte de história oral, capturando as memórias e sentimentos de pessoas que viveram um momento crucial na história do Brasil, mas que o vivenciaram de uma maneira muito particular em uma pequena cidade do interior. A obra contribui para uma compreensão mais ampla de como a Revolução de 1930 foi experimentada em diferentes partes do país, longe dos grandes centros urbanos. Além disso, oferece uma crítica implícita às promessas não cumpridas das revoluções, o que se conecta a uma reflexão sobre a eficácia das mudanças políticas na vida das pessoas comuns.

  
BATE PAUS -  30's
Em 1930, pouquíssimas pessoas em Itaúna sabiam o que estava acontecendo no resto do país. No meio das ruas esburacadas de nossa cidade que na época  contava com uma população estimada em 5 mil habitantes.

Só se sabia que o Batalhão itaunense da Força Pública de Minas Gerais – hoje Polícia Militar – tinha sido convocado para reforçar as tropas mineiras na luta contra as forças federais aquarteladas no 12º RI, na Capital.

Padre Waldemar, que na época estudava no seminário em Belo Horizonte, conta que às cinco horas da manhã do dia 4 acordou com sinos da igreja batendo e logo depois ouviu os primeiros tiros.

“Eu estava no último ano do seminário e o colégio ficava a 3 km do quartel do 12. Não tive medo do que poderia acontecer. Deus queria assim ...”

Em Itaúna, com o destacamento policial todo fora. Arthur Vilaça, então chefe do executivo municipal e presidente da Câmara dos Vereadores, convocou seus melhores funcionários e formou o destacamento policial de civis para guarnecer a cidade.

Aqueles jovens e fortes senhores que dali por diante manteriam a cidade em ordem ficaram sendo conhecidos como os “ Bate – Paus”.

Eles foram chamados assim , porque na falta de armas de fogo, os destacamentos provisórios de cada município , usavam um porrete de madeira.

Benevides Garcia, 79 anos, fotógrafo e chofer da praça dos mais antigos daqui , era motorista da Câmara na época e lembra como foi convocado: “O Arthur Vilaça mandou que eu comandasse os “Bate-Paus” como sargento e o Enoque como cabo. Entrei contra a minha vontade.

Nada foi discutido entre nós sobre o que estava acontecendo. Só esperávamos a vitória da Revolução.” Outro que também entrou contra sua própria vontade foi o Sr. Cirilo José Gomes, que não concordava com o fato de ter que amarrar no pescoço , lenço vermelho que os identifica.

Os “Bate- Paus” não tiveram muito trabalho para prender os bêbados que viviam aprontando arruaça pela cidade, até apareceu por aqui um bandido muito temido na redondeza. Um tal de Domingos Boca –de-Fogo. 

“ Até a polícia tinha medo dele”, conta Cirilo. Eu, o Benevides e o Gérson conseguimos prendê-lo. Era noite clara e ele se escondeu numa fazenda no caminho da Várzea da Olaria. 

A gente estava numa baratinha e ele a cavalo. Quando nós chegamos , ele já estava debaixo de uma árvore. O Benevides saltou e deu voz de prisão, eu entrei pelo lado esquerdo, bati a mão no arreio do cavalo e a outra no braço dele.

Se o homem desce para o lado esquerdo como nós todos do lado direito, ele sapecava fogo e matava todo mundo “

  As adesões ao movimento revolucionário e as notícias que vinham pelo trem com muito atraso, não chegavam a amedrontar a população.

O Doutor Coutinho, que já exercia a medicina na época conta que “as adesões eram naturais quase ninguém foi contra. O poder em Itaúna aderiu sem finalidades.

Os donos das duas fábricas, que já existiam, queriam era fazer dinheiro”. Dona Nair, sua esposa conta que os que tinham mais instrução chegavam a ficar um pouco sobressaltados. “Chegamos até a rezar pelo sucesso da Revolução.

Quando o Getúlio subiu ao poder, saímos em passeata pelas ruas cantando mais ou menos assim: Vivo Getúlio ele é o nosso orgulho. Viva a Aliança é a nossa esperança! 

Todos os homens, as mulheres e crianças participaram. Só não entravam na  passeata as pessoas da sociedade ...”

Vitoriosa a Revolução, em 23 de outubro a Câmara foi dissolvida, tendo o Sr. Arthur Contagem Vilaça continuando como prefeito do Poder Legislativo Municipal foi substituído por um conselho consultivo nomeado pelo Governo estadual. Entre os membros desse Conselho, estava o Dr. Coutinho.

No balanço geral, todas estas pessoas que aqui viveram esse grande momento da história de nossa República, concordam que muitas promessas feitas pelos revolucionários não foram até hoje cumpridas. 

Por outro lado, afirmam que alguns benefícios , a Revolução trouxe. No entender do padre Waldemar, “toda a obra humana tem os seus defeitos.

A Revolução moralizou determinados setores, mas muita gente se aproveitou dela para subir ao poder sem muito esforço.” As  reformas trazidas pela revolução não chegaram a modificar a situação.

Para o doutor Coutinho “eles propunham muito e acabaram não fazendo nada. Para a época algumas coisas foram resolvidas mas a situação ficou na mesma.

No entanto, a Revolução de 30 teve mais participação popular, enquanto essa de 64 não teve nenhuma. Nenhuma das duas porém, cumpriram os seus propósitos”.





Pesquisa e análise : Charles Aquino

Texto e fonte: Jornal Panorama Itaunense, pág. 9 (Década 80)

Acervo: Instituto Cultural Maria de Castro Nogueira - ICMC