As organistas da Matriz de Sant’Ana
Padre Rodrigo Botelho Moreira Júnior
Administrador Paroquial da Paróquia
Nossa Senhora Aparecida Itaúna - MG
“Laudate eum in tympano & chorus: laudate eum in
chordis & organo.”
“Louvai ‘a Deus’ com tímpanos e coros: louvai-o com as cordas
e com o órgão.”
A música
sempre esteve presente no culto cristão. Por meio da música e dos instrumentos
musicais os fiéis louvam a Deus. A inteligência humana alcança a Deus e este
nos responde com a sua graça.
O órgão
de tubos foi inventado antes de Cristo, na Grécia. A ideia do instrumento tem a
ver com a produção de ar que sustenta várias flautas acionadas por teclas. Em
Itaúna nunca tivemos um instrumento assim. Mas contávamos com a ajuda do “irmão”
do órgão, o harmônio. Um instrumento de teclas e palhetas, como as de um
acordeão, sopradas por um fole. A Matriz de Sant’Ana possuía um rico harmônio
com vários registros de sons. Este instrumento foi irreparavelmente danificado
pelo tempo. Contudo, antes de encerrar a sua carreira, o harmônio já havia sido
substituído por um órgão eletrônico da marca Minami na década de 1970. Quem o
comprou para a paróquia foi o Padre José Ferreira Netto, ajudado pelos coristas
do Coral Pio XII, que mais tarde veio a se tornar o Coral João XXIII.
As nossas
organistas foram todas instruídas pelo antigo harmônio. O instrumento musical é
também um professor, ele ensina o discípulo como tocá-lo. O repertório, lembremo-nos
que passamos pelo Concílio Vaticano II, era executado, em sua maioria, em
latim. Imaginemos que um repertório na língua vernácula foi sendo constituído
ao longo dos anos: em escalas diferentes, antes e depois do Concílio.
Resgatando do passado os nossos cantos em latim, nosso povo vê neles hoje uma
obra de arte, mas, na verdade, antes de tudo, eles são um gesto de fé.
A música,
como nos lembra o Concílio Vaticano II, é a nobilíssima serva da liturgia. E,
serviram à liturgia, as nossas organistas: D. Maria Sebastiana Nunes, D. Cyrene
Morávia de Carvalho, D. Anna Alves Vieira dos Reis e D. Nycia D’Aurea.
D. Maria Sebastiana Nunes
Vem, te rogo
Jesus
meu divino e eterno amor.
Nasceu
aos 20 de Janeiro de 1894. Foi casada com o Professor Gabriel Nunes de Souza,
ex-Diretor da Escola Normal. Moravam na antiga casa onde funcionava o
Restaurante Casa Nobre, bem de frente à Praça Dr. Augusto Gonçalves, onde
existe um estacionamento hoje. Era lá que ensinava a alguns alunos “as primeiras
letras musicais” ao piano.
Às nossas
mãos chegaram, das três missas em latim compostas por ela, duas: Missa em honra
a Santa Teresinha, com alguns versos faltosos do “Agnus Dei” (cuja copista é D.
Anna Alves); e a Missa de Aleluia, composta no crepúsculo de sua vida e
impressa por sua família em 1965. Falecera aos 13 de maio de 1964 em Esmeraldas.
Na
apresentação da Missa de Aleluia encontramos estes dizeres de João Guimarães
Alves: “Desde os nove anos de idade compôs e executou músicas ao harmônio,
muito embora não tivesse recebido, a rigor, uma instrução musical. Sua vocação,
sua intuição e bom gosto supriam as deficiências do ensino, que não recebeu.
Aplicou-se no entendimento e na transmissão da mensagem da música por
irresistível impulso e esforço próprio. (...) Lecionou música em Sabinópolis
(para cuja formação e progresso o Prof. Gabriel Nunes de Souza muito lutou ao
lado de Sabino Barroso), em Virginópolis, Peçanha, Itaúna e Esmeraldas, cidades
essas nas quais deixou vários discípulos. Sua produção musical, (...) é
volumosa, incluindo três missas, numerosas peças sacras, hinos escolares e
músicas profanas de elevada inspiração. Tudo, se reunido, daria alentado
volume”.
D. Cyrene Morávia de Carvalho
Oh! Coração, Sagrado Oasis
de teus filhos que são fiéis.
Oh! Coração que d’amor fazes
cair-nos crentes aos teus pés.
Nasceu na
cidade de São Vicente Ferrer, aos 25 de maio de 1913. Desde criança, aprendeu a
dominar bem a arte da interpretação ao piano. Veio para Itaúna ainda bem jovem,
por causa do trabalho de seu pai que era Engenheiro da Rede Ferroviária, o Sr.
Ângelo Gonzaga de Morávia Júnior. Nas terras itaunenses casou-se com o Sr.
Manoel Gonçalves de Carvalho.
D. Cyrene
tocava em importantes bailes na cidade de Itaúna e a sua fé aliada à sua fama
trouxeram-na para a Igreja onde começou a tocar o harmônio e cantar as missas e
ofícios litúrgicos. Vizinha da Família Corradi, era organista do Coral onde
também cantava o maestro Hermínio Corradi. Muito provavelmente estamos diante
da primeira organista da cidade de Itaúna, pois, D. Maria Sebastiana Nunes e D.
Anna Alves chegaram depois. D. Cyrene, já doente, foi preparando o espaço para
elas chegarem.
Ela
pertencia ao Apostolado da Oração e conservava a fé mesmo nos momentos de
provações. Já idosa e debilitada, recebia a comunhão em casa – o seu desejo era
o de nunca se afastar de Deus. Sempre agiu com solicitude para com as
necessidades da Igreja: auxiliava as crianças nas coroações e acompanhava de
perto os trabalhos pastorais.
No dia 3
de julho de 2010, aos 97 anos, faleceu D. Cyrene.
No Livro
Harpa de Sião, página 46, número 34, onde se encontra a música intitulada “Teu
coração é meu cenáculo”, encontramos a letra de D. Cyrene para marcar um
pequeno lembrete: “para a missa amanhã 7-6-942”. No mesmo livro na página 93,
número 96, cuja música intitulada é “Louvemos Maria”, D. Cyrene pôs outro
lembrete: “1/2 ponto abaixo”, indicando uma transposição que faria ao harmônio.
Na página final da partitura “Inviolata” de autor ignoto, cópia datada de 27 de
novembro de 1951, encontramos estes dizeres: “Ao Coral Hermínio Corradi;
Lembrança de Cyrene Morávia de Carvalho”.
D. Anna Alves Vieira dos Reis
Adeus, Imaculada!
Mãe da Consolação.
Doce prenda amada do
meu sincero amor.
Mestre em
Educação pela Universidade de Itaúna, Pedagoga, Professora... e, sim,
organista! Nascida em Itaúna aos 10 de fevereiro de 1937, teve a sua infância
ambientada pelo casario da Rua João de Cerqueira Lima e pela linha férrea. Sua educação musical também foi ornamentada
pelo buril de Maria S. Nunes. Por vezes, D. Maria, ficava lá embaixo, na nave
da Igreja, junto ao povo, ouvindo deleitosamente sua discípula tangendo lá do
coro da Matriz o antigo harmônio.
Além do
harmônio da Matriz de Sant’Ana, D. Anna Alves tocava outro harmônio que
pertencia à Casa de Caridade Manoel Gonçalves (acervo do Museu Municipal
Francisco Manoel Franco em Itaúna) e ainda, um outro harmônio, que pertencia a
Igreja do Coração de Jesus em Santanense (sua caixa e palhetas estão
conservadas, mas o teclado não pode ser preservado por causa dos cupins).
Além
destes instrumentos, Padre José Ferreira Netto adquiriu um pequeno teclado
elétrico que era acoplado à uma espécie de mala. Ele era facilmente
transportado para as comunidades rurais. A comunidade de N. Sra. de Lourdes do
Córrego do Soldado ouviu o som deste instrumento tocado pela D. Anna.
Contralto
de mão cheia, ou melhor, de voz cheia, e corista experiente, tendo passado uma
vez os olhos na partitura, não precisava ocupa-los novamente para reler a
pauta, já fazia de cor e, por ser coisa sagrada, “de coração”. Por vezes, de
tanto traquejo com a partitura, cantava o contralto e ainda tocava o harmônio –
fazia as duas coisas juntas, o que é muito difícil. Ao lado de Maria Concebida
Viana, a Dunga, cantora e “puxadora” de enredo de samba da nossa terra, entoavam
os graves e soleníssimos versos iniciais do “Agnus Dei” da Missa “in honorem
Sancti Michaelis Archangelis”.
Ainda
encontramos D. Anna Alves andando pelas ruas com a sua pasta de partituras e
estudos musicais nas mãos. Este gesto reflete a verdade de que da música
seremos eternos aprendizes.
D. Nycia D’Aurea
Sou feliz pois Cristo habita
firme no meu coração.
Ele é quem me dá consolo
na tristeza ou na aflição.
Nascida
em Campo Belo no dia 19 de outubro de 1929, recebeu as primeiras instruções ao
piano ainda criança no Conservatório de Música em Lavras-MG. Chegou à Itaúna no
ano de 1949 e na década de 1970 recebeu das mãos do Padre José Netto a chave do
harmônio. Foi D. Nycia quem fez a passagem do harmônio para o órgão eletrônico.
Dedicou-se
com afinco à música na Paróquia de Sant’Ana. Vinda da Igreja Presbiteriana
apaixonou-se pela fé católica e expressou-a muito bem em sua música e em jeito
de ser. Não foi difícil adaptar ao harmônio ou ao órgão as orientações
recebidas ao piano. Seu talento fez suprir, com facilidade, o número limitado
de teclas do harmônio e as mãos acostumaram-se rapidamente à leveza das teclas
do órgão.
De berço
italiano, herdou da família, por parte do pai, Gofredo D’Aurea, o temperamento
forte, mas como dizem os italianos: “questo è il paese dove tutte le parole
sono dolci o sono
amare sono sempre parole d'ammore” (Este é o país onde todas as palavras, sejam
doces ou amargas, são sempre palavras de amor). O Padre Amarildo se recorda, e
muito bem, dos momentos embravecidos da D. Nycia; na verdade, todos nós nos
lembramos... Contudo, lembramo-nos ainda mais dos sorrisos, da exigência por
excelência, dos ensaios e ensinos, das conversas, daquela voz bonita que, no
Domingo de Páscoa, na Missa das sete da manhã, cantava com o Côro João XXIII a
música de Bach, “Jesus, Alegria dos Homens”.
D. Nycia tocou outros órgãos em Itaúna. Estes instrumentos
ainda ocupam lugar de destaque em algumas Igrejas da cidade. Recordamos vê-la
tocar o órgão da Matriz de Nossa Senhora de Fátima no bairro Padre Eustáquio, o
órgão da Matriz do Coração de Jesus em Santanense, o órgão da Gruta Nossa
Senhora de Itaúna e o órgão da comunidade Maria Mãe da Igreja na Vila Tavares.
Mezzo-soprano,
voz de peito, nunca precisou de microfone para fazer ressoar a sua voz pela
nave da Igreja Matriz de estilo Neo-Gótico, arquitetura que colabora bastante
com a ressonância do som. Tinha rápida leitura de partituras, por vezes, antes
das missas ou ensaios, estava a D. Nycia aprendendo o que, em bem pouco tempo,
cantaria na missa, como se tivesse ensaiado aquela peça muitas vezes. Ela não
tinha medo do novo: saltava do latim para o português e do clássico ao
contemporâneo com muita facilidade.
Quando o
ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso veio à Itaúna, no dia 7 de dezembro de
2001, foi ela quem executou, com mãos firmes e precisas, o Hino Nacional
Brasileiro. Com certeza, uma grande emoção invadiu o seu coração ao saber que,
por meio da sua arte, poderia oferecer esta honraria àquele chefe de Estado.
Hoje, D.
Nycia mora em Lavras-MG e vem visitar-nos às vezes.
Agradecimentos
Sanctus, Sanctus, Sanctus
Sine fine,
Sanctus
Quatro
senhoras, quatro esposas, quatro mães, quatro organistas, quatro mulheres de
Deus. Ainda ressoam nos ouvidos de muitos itaunenses as músicas tocadas e
cantadas por elas. Itaúna lhes deve muito... Somos mui gratos por tudo o que
fizeram. Não sei se lhes é sabido, mas as senhoras nos ajudaram a rezar. Deus
lhes pague o que fizeram com tanto amor.
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