sábado, junho 24, 2017

VIRIATO & FIDÉLIS


José Batista Guimarães, filho do saudoso Delzir Batista sempre foi um gozador nato. Conhecido como Zé do Delzir, em certa quadra da vida dizia que dali por diante seria somente Zé. Segundo ele, comprara a parte do pai.
Éramos vizinhos na rua Direita. O pai, tinha uma fazenda lá pelos lados de Itatiaiuçu. Terra de minério, ruim de cultivo. No entanto, tratavam a gleba com todo carinho. Dava prejuízo.
Certa feita resolvera " terracear" uma encosta para plantar laranjas. Contrataram um trator de uma firma memorável. Os proprietários: Aldo "preto"Chaves, Plauto "escorpião"Machado e o Inacinho. Três sócios exemplares. Sem reparos.
Aprontados os terraços e prontas as covas, chegara a hora de plantar as mudas. Coisa fina, vindas de Lavras, compradas na Escola de Agronomia. Eu estava "flanando" quando Zé do Delzir me convidou. Ir com ele na Vila Mozart, acertar com dois conhecidos para plantarem as mudas na fazenda.
O primeiro deles, de nome Viriato, amigo dos Batista, acertou tudo com o Zé, que disse-lhe com seriedade: " Viriato, lá tem serviço pra uma semana. Você ficará hospedado por lá. Basta levar umas duas mudas de roupa. Tem cama e comida. Vou " palavrar" alguém para lhe ajudar. Você não o conhece. Trata-se do Fidélis, homem bom de serviço e compadre do meu pai. Gente boa. Só tem um senão: é surdo que nem uma porta de braúna, quando você conversar com ele, fale bem alto.
Isso feito, fomos a procura do Fidélis que morava na Vila Padre Eustáquio. Mesma conversa travada com o Viriato. No final, a advertência: estou levando para te ajudar lá, o Viriato. Homem sério e trabalhador. Só tem um reparo: é surdo que nem um teju. Quando, falar com ele, grite bem alto para ele ouvir.
No dia seguinte cedo, apanhamos os pseudo-surdos bem cedo. Aboletados na carroceria da caminhonete, travaram conhecimento por meio de uma gritaria infernal. Da cidade até a fazenda. Trocaram de roupa, apanharam os apetrechos para a lida e continuaram o berreiro. Afinal, para todos efeitos, eram surdos.
A "latomia" continuou por todo o dia. Da casa da fazenda, ouvíamos claramente o berreiro. O serviço rendia, os homens ficaram roucos e de cabeça doendo, tamanha era a gritaria. Na hora do jantar, pudemos constatar que os dois trabalhadores estavam à beira de um ataque. Caras fechadas. Não queriam conversa.
À mesa, infelizmente, tiveram de gritar um para o outro. " Me passa a carne, disse o Viriato"
"Já vai, retrucou o Fidélis". Aproveita e me passa o arroz. Gritos para pedir o feijão, o angu e o guisado. Zé do Delzir com as bochechas infladas para não gargalhar. Por fim, com os tímpanos a estourar, o Viriato virou-se para o Fidélis e gritou: " para com esse berreiro. Eu não surdo não, seu filho da mãe. Ao que o Fidélis retrucou de pronto: " e nem eu, seu f.d.p....
Foi a senha para os dois homens se atracarem. Com muito custo, e a intercessão de Delzir Batista, os dois trabalhadores se acalmaram. O Zé ria a mais não poder. Tinha feito a sua maldade do dia.

*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 23/06/2017.


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